Há uma grande discussão no mercado sobre a inconstitucionalidade do IOF recém-criado pelo governo, sob o argumento de que esse tributo não poderia ter função arrecadatória. A função precípua do IOF seria extrafiscal, ou seja, função regulatória. Apesar da viabilidade técnica desse argumento, ele não é o mais robusto para macular por inconstitucionalidade o IOF. O Judiciário, por intermédio dos Tribunais Superiores, já decidiu de forma contrária a essa tese.
A linha mais sólida para contestar a incidência do citado imposto é a infringência ao princípio da legalidade. Melhor explicando. A Constituição Federal atribui competência à União para instituir os impostos sobre operações de crédito, câmbio, seguro e títulos e valores mobiliários (IOF). Contudo, para que isso se efetive é necessário que a Lei crie o tributo e escolha quais operações devem ser tributadas. Ou seja, somente as operações previstas em lei podem ser arroladas pelo legislador tributário como fato gerador do tributo e não qualquer operação.
No caso das operações de crédito, há duas inconstitucionalidades perpetradas pelo referido decreto.
A previsão da tributação sobre operações de cessão de crédito, sem coobrigação, é inconstitucional, uma vez que tais operações não são, juridicamente, crédito. Apenas as cessões de crédito com regresso ou coobrigação são consideradas operações de crédito. Isto porque, como ensina a doutrina civilista e comercial, crédito é o negócio jurídico, no qual há uma prestação presente contra uma prestação futura. Exemplo, quando empresto dinheiro para alguém, há a prestação presente —entrega do dinheiro— contra uma prestação futura —pagamento do empréstimo. Na cessão de crédito sem coobrigação, não há contraprestação futura, logo não há crédito. Daí a inconstitucionalidade da incidência do IOF criado pelo governo.
Além disso, o decreto ofendeu a legalidade ao incluir como fato gerador hipóteses fáticas que não estão na Lei. É princípio básico em direito tributário que somente a Lei pode criar tributo, logo o decreto editado pelo governo não pode criar uma hipótese de fato gerador do IOF.
Melhor explicando, hoje, no Brasil, a lei estipula três tipos de IOF sobre crédito. A primeira hipótese é o IOF bancário. Nessa hipótese, o cedente do crédito é uma instituição financeira e são tributadas três operações de crédito: empréstimo, abertura de crédito e desconto de títulos, conforme Lei 5.143/66. O segundo tipo é o IOF não bancário, no qual o cedente de crédito é uma pessoa jurídica não financeira e é tributada apenas uma operação de crédito, a saber: o mútuo, conforme a Lei 9779, artigo 13. O terceiro tipo é o IOF factoring, no qual o cedente do crédito é uma empresa de factoring e a operação tributada é a cessão de crédito com coobrigação ou regresso. Portanto, não é qualquer operação de crédito tributada pelo IOF, apenas as operações previstas em lei, em obediência ao princípio da legalidade.
Assim, a previsão do decreto de IOF sobre as operações de risco sacado é inconstitucional, pois tais operações não estão previstas em lei e, se realizadas sem coobrigação, não são operações de crédito, já que não se constitui um negócio jurídico, no qual há uma prestação presente contra uma prestação futura.
Como se vê, mais uma vez, o governo no afã de arrecadar, ultrapassou os limites que o Texto Constitucional estipulou.