Imagine que, a cada seis meses, um jardineiro passasse no seu quintal e arrancasse algumas das sementes que você plantou para colher no futuro. Mesmo sem ter colhido nada, você já estaria pagando o preço de ter semeado. Essa é a realidade silenciosa do come-cotas que incide em alguns tipos de fundos de investimento: você paga imposto mesmo sem sacar nada. E, pior, paga antes do tempo, o que compromete o crescimento da sua carteira.
O come-cotas é uma antecipação do Imposto de Renda sobre os rendimentos de fundos como DI, renda fixa, cambial, crédito privado e multimercados. A Receita não espera o resgate para cobrar — ela desconta o imposto duas vezes por ano, sempre em maio e novembro. Mas como não há saque, a cobrança é feita em cotas: o fundo reduz a quantidade de cotas do investidor para recolher o imposto devido.
As alíquotas aplicadas são as mínimas de cada categoria: 15% ao ano para fundos de longo prazo e 20% para os de curto prazo. Quando o investidor finalmente resgata o valor, paga-se a diferença, caso a alíquota final seja maior. Na prática, é como se o Estado colhesse parte dos frutos antes que amadurecessem.
O impacto disso no longo prazo é significativo. Como os juros compostos dependem da reinversão contínua dos rendimentos, reduzir o número de cotas ao longo do tempo afeta diretamente o efeito bola de neve do investimento. Parece pouco? Não é.
Simulações mostram que, em 30 anos, a diferença entre um fundo com e sem come-cotas pode ultrapassar 40% de rentabilidade líquida. Por exemplo, um investimento de R$100 mil com rendimento constante de 12% ao ano por três décadas resultaria em cerca de R$2,7 milhões sem come-cotas. Com a antecipação do imposto, esse valor pode cair para pouco mais de R$1,8 milhões.
É por isso que investidores atentos buscam alternativas que escapam dessa mordida. Títulos de renda fixa públicos ou privados adquiridos diretamente não sofrem come-cotas. O mesmo vale para fundos de previdência (PGBL e VGBL), além de FIDCs e fundos de FIDCs, e fundos isentos que investem exclusivamente em debêntures incentivadas.
Importante lembrar: o come-cotas não afeta o valor individual da cota, apenas o número total que o investidor possui. Mas, no acumulado, ele reduz o potencial de crescimento do patrimônio. A perda não é visível no curto prazo, mas se acumula de forma sorrateira com o tempo.
Evitar o come-cotas, portanto, não se trata apenas de pagar menos imposto — mas de deixar os juros compostos trabalharem com o máximo de eficiência. É como preservar todas as sementes no solo para que, com o tempo, floresçam em uma colheita mais farta.
Michael Viriato é assessor de investimentos e sócio fundador da Casa do Investidor.
Siga e curta o De Grão em Grão nas redes sociais (Instagram).