Os ministérios das Cidades, da Saúde e da Defesa foram as pastas mais atingidas pelo congelamento de verbas feito pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cumprir regras fiscais.
O Executivo anunciou em 22 de maio uma trava de R$ 31,3 bilhões, dos quais R$ 24,2 bilhões incidirão sobre as despesas discricionárias do governo, que incluem ações de custeio da máquina pública (como pagamento de contratos e contas de água e luz) e investimentos (como obras e aquisição de máquinas e equipamentos).
Outros R$ 7,1 bilhões serão subtraídos das emendas parlamentares, verbas indicadas pelos congressistas e que normalmente são usadas para irrigar seus redutos eleitorais.
A distribuição do esforço de contenção foi formalizada na noite desta sexta-feira (30) por meio do decreto de programação orçamentária e financeira, publicado em edição extra do Diário Oficial da União.
A pasta das Cidades, responsável por programas como o Minha Casa, Minha Vida, teve R$ 4,3 bilhões congelados, o que representa 27,2% do espaço disponível para despesas, sem contar as emendas.
Já no Ministério da Defesa, a contenção ficou em R$ 2,6 bilhões, o equivalente a 21,1% da verba disponível.
No Ministério da Saúde, a tesourada ficou em R$ 2,36 bilhões, o mesmo que 6,8% da verba originalmente prevista para a pasta. Neste caso, porém, a contenção total chegará a R$ 5,9 bilhões quando considerado o congelamento de parte das emendas.
Houve ainda a contenção de R$ 2,1 bilhões nas verbas do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, responsável pelo programa Bolsa Família.
Embora administrem orçamentos mais modestos, as pastas do Turismo e de Portos e Aeroportos foram proporcionalmente mais atingidas. Eles são comandados, respectivamente, pelos ministros Celso Sabino e Silvio Costa Filho, ambos indicados por partidos do centrão.
O Turismo teve R$ 489 milhões travados, o que representa 55,1% da dotação original da pasta para despesas discricionárias. Já o Ministério de Portos e Aeroportos perdeu R$ 781 milhões, o equivalente a 43,6% da verba inicial.
Os órgãos terão até 6 de junho para decidir quais ações de suas pastas serão objeto de bloqueio ou contingenciamento.
No relatório de avaliação de receitas e despesas do 2º bimestre, a equipe econômica indicou a necessidade de bloquear R$ 10,6 bilhões para respeitar o limite de gastos do arcabouço. Esse valor é mais difícil de ser revertido, uma vez que o espaço será destinado a cobrir despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários.
Também foi preciso contingenciar outros R$ 20,7 bilhões para compensar frustração de receitas e cumprir a meta, que é de déficit zero, mas cuja margem de tolerância permite resultado negativo de até R$ 31 bilhões. Essa contenção, por sua vez, pode ser revertida ao longo do ano, caso o governo obtenha receitas extras.
A gestão de Lula, no entanto, enfrenta forte pressão do Congresso Nacional pela derrubada do decreto que aumentou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), iniciativa que ajudou a garantir uma receita adicional de quase R$ 20 bilhões na avaliação do Orçamento. Sem ela, a necessidade de ajuste teria sido ainda maior.
O governo ainda tenta convencer o Legislativo a manter a alta do imposto ao menos em 2025, com a possibilidade de negociar alternativas para 2026 em diante.
Além da contenção formal de recursos, o Ministério do Planejamento e Orçamento informou em nota publicada na noite desta sexta que o decreto mantém a estratégia chamada de “faseamento”, uma espécie de freio adicional na execução orçamentária. Isso significa, na prática, que os limites serão liberados ao longo do ano, a conta-gotas.
A medida ajuda a formar uma espécie de poupança preventiva, caso as condições orçamentárias levem a equipe econômica a precisar fazer novos congelamentos nos próximos relatórios.
ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO
O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).
Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.
Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.
Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.
Como funciona o bloqueio
O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de saúde e educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).
Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio proporcional nas discricionárias para honrar todas as obrigações sem descumprir o limite global de gastos.
Como funciona o contingenciamento
O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas, com margem de tolerância de 0,25% do PIB para mais ou menos.
Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.
Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?
Sim. É possível que, numa situação de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias é a soma dos dois valores.