O ONS (Operador Nacional do Sistema) estuda junto com a EPE (Empresa de Pesquisa Energética) uma forma de aumentar o escoamento de energia no Nordeste em curto prazo para que projetos de hidrogênio verde possam tomar decisão final de investimento já no ano que vem. Segundo funcionários dos dois órgãos e do governo federal, há possibilidade de se criar espaço para a injeção de ao menos 1 GW (gigawatt) entre o Ceará e o Piauí, estados que abrigam os maiores projetos do combustível.
No mês passado, a A Aneel (Agência Nacional de Eenergia Elétrica) negou recursos de algumas das principais empresas de H2V do país, como Solatio, Casa dos Ventos, Voltalia, Qair e Fortescue.
Elas contestavam decisões do ONS, que negou em janeiro uma série de pedidos de acesso à rede elétrica. O operador alega não haver margem de escoamento de energia suficiente na região, que sofre com excesso de geração de eletricidade em determinados períodos do dia e falta de linhas de transmissão suficientes para suportar todo o fluxo de eletricidade.
Os projetos de hidrogênio verde exigem quantidades enormes de energia. Só o empreendimento da Solatio, no Piauí, por exemplo, prevê uma capacidade instalada de 3 GW (gigawatts) –o que representa o consumo mensal de 13 milhões de residências. Já os localizados no porto de Pecém, no Ceará, ultrapassam 5 GW. Todos esses têm previsão de tomar uma decisão final de investimento em 2026.
É tanta energia que um funcionário do ONS que acompanha o tema de perto disse à Folha não acreditar que todos os projetos irão para frente –e, mesmo se vingarem, não conseguirão chegar à capacidade máxima até o início da década seguinte. Ele aponta como uma das justificativas a falta de equipamentos no mercado mundial disponível para atender todos esses projetos.
Até por isso, o ONS é relutante em propiciar uma margem elevada de escoamento para esses empreendimentos. Obras a serem sugeridas pelo operador ainda neste ano devem abrir espaço para uma capacidade adicional de 1 GW a 1,8 GW na região até o ano que vem, quantidade bem inferior à soma dos projetos que devem bater o martelo em 2026.
Parte dessa quantidade, aliás, deve ser consumida pelos data centers da Casa dos Ventos aprovados na quinta-feira (29) pelo ONS.
Ainda assim, o setor acredita ser suficiente para ao menos facilitar a decisão final de investimento no ano que vem. O diretor de um desses empreendimentos afirmou à reportagem que a ideia é conseguir um parecer de acesso menor neste momento e ir crescendo gradualmente à medida que a capacidade de escoamento na região aumente.
Segundo ele, nem toda empresa vai conseguir acesso até 2028, quando estão marcados o início de produção de alguns projetos. É nesse ano também quando começarão a ser concedidos os créditos do governo federal, por meio do Programa de Desenvolvimento do Hidrogênio de Baixa Emissão de Carbono (PHBC), sancionado no ano passado pelo presidente Lula.
“Todas as empresas que tomam decisão final de investimento agora em 2026 precisam de um parecer de acesso para poderem ir ao banco e ter seus financiamentos; sem conexão ninguém toma decisão final de investimento. Com isso, há um engendramento para a gente ter 1,8 GW que o ONS deve encontrar remapeando todo o processo, mais 4 GW que já foram aprovados pelo Ministério de Minas e Energia”, afirma Fernanda Delgado, presidente da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde).
Ela se refere aos estudos que a EPE deve divulgar até o final do ano sobre quais estruturas precisam ser criadas na rede para garantir o escoamento de mais 4 GW no Nordeste dedicados a projetos de hidrogênio verde.
O estudo serve como base de análise para que Ministério de Minas e Energia e Aneel organizem leilões para viabilizar o escoamento. Ainda assim, como há diferença de tempo entre a apresentação de estudos e os certames, é provável que essas obras só fiquem prontas em 2031, o que atrasaria o cronograma das empresas.
O setor tenta convencer a EPE a adiantar a entrega do estudo para agosto. “Depois disso, fica muito tarde, porque aí você descasa dos anos do PHBC, que é de 2028 a 2032”, diz Delgado.
O adiantamento, no entanto, não é fácil. Até porque há pressões políticas em torno de quais seriam os melhores locais para instalar as estruturas. No Nordeste, também há projetos de hidrogênio verde no Rio Grande do Norte e em Pernambuco, e governadores têm se movimentado para garantir que seus estados sejam atendidos pela obra.
“Não vai dar para fazer um estudo considerando o Nordeste todo, então a gente está buscando identificar as áreas que devem ser consideradas de forma prioritária. Estamos pensando em fazer um estudo envolvendo a região de Pecém, e a região do Piauí é candidata”, afirma Thiago Dourado, chefe de expansão de transmissão da EPE.
O receio também passa pela possibilidade de alguns projetos andarem para trás e o consumidor de energia ter que pagar pelas novas estruturas sem necessidade. Esse é um temor presente inclusive dentro do MME –um integrante da pasta disse à Folha que o ideal era que esses projetos buscassem regiões do Nordeste com margem de escoamento, como Sergipe e Maranhão. Os incentivos fiscais dos estados, no entanto, falam mais alto.
No final de maio, a diretoria da Aneel decidiu que a partir de agora grandes empreendimentos precisarão pagar uma garantia no momento que pedirem o acesso à rede junto ao ONS e quando tiverem o acesso aprovado. O mecanismo, uma espécie de cheque caução, estará atrelado a taxas e contratos relacionados à transmissão. Segundo o diretor de uma das empresas de H2V, a cada gigawatt os empreendimentos precisarão pagar cerca de R$ 40 milhões para pedir o acesso e cerca de R$ 350 milhões quando aprovado.
ONS, EPE, Aneel e MME esperam que essas obrigações filtrem os reais interessados em avançar com projetos na região. “Não ter garantia era um problema, porque tem muitos projetos que podem ser aventureiros e especulativos. Com a exigência de garantia, o projeto precisa ter um nível de maturidade maior para o cara poder fazer esse aporte”, afirma Dourado, da EPE.
O mecanismo também agradou o setor: “A garantia mostra a saúde financeira do projeto e, para mais do que isso, ainda estamos sugerindo que a Aneel peça maturidade dos projetos, como licenciamento ambiental e área adquirida”, diz Delgado.
PROJETOS COM DECISÃO FINAL DE INVESTIMENTO EM 2026
- Solatio (PI)
- Fortescue (CE)
- Casa dos Ventos (CE)
- European Energy (PE)
- Atlas Agro (MG)
- Voltalia (CE)
- Qair (CE)
- FRV (CE)