Comprar imóveis por meio de leilões tem atraído um número crescente de brasileiros, não apenas em busca da casa própria, mas como uma estratégia de investimento. Segundo especialistas do setor, a tendência é uma resposta ao encarecimento do crédito imobiliário e um reflexo direto da digitalização —que democratizou o acesso e modificou a dinâmica das aquisições.
De acordo com levantamento da Abraim (associação que representa os interesses dos arrematantes de imóveis em leilões) em parceria com o Leilão Imóvel, o número dessas disputas por imóveis cresceu 24% em 2024. Foram 275 mil imóveis vendidos por esse sistema no ano passado, movimentando um total de R$ 200 bilhões.
Ainda assim, segundo Gustavo Amaral, presidente da Abraim e CEO da plataforma Zipin, o volume de imóveis arrematados é 12,6% de todos disponíveis por esse tipo de venda no ano passado. “Os mais de 77% não foram arrematados possivelmente porque estavam com preço supervalorizado, com pendências jurídicas que impactam o negócio ou porque o investidor perdeu as oportunidades”, afirma.
Para Amaral, a digitalização ampliou o alcance de pessoas físicas à modalidade. “Hoje, é possível conduzir todo o processo de aquisição de forma remota, da análise jurídica à arrematação, passando pela assinatura da escritura, registro da matrícula e até etapas como reforma e revenda, sem necessidade de visita presencial”, afirma.
Investidores no mercado de leilões imobiliários têm se concentrado em duas estratégias: o “house flipping” e a aquisição para locação de curto prazo.
A prática do “house flipping”, popularizada nos Estados Unidos, consiste em adquirir propriedades, realizar reformas e revendê-las por um valor mais alto. O leilão se tornou um canal atraente para essa estratégia, porque permite a compra de imóveis, muitas vezes desocupados e necessitando de melhorias, por valores abaixo do preço de mercado.
“Dos associados da Abraim, mais de 90% fazem a operação de compra em leilão para a venda [depois]. Apenas uma minoria, na faixa dos 45 anos de idade para cima, compra para alugar e ter uma renda passiva”, afirma Amaral.
Esses imóveis chegam a pregão por diversos motivos, como execução de hipotecas, consolidação em alienação fiduciária, liquidação de patrimônio ou situações judiciais.
A Caixa, por exemplo, responsável por cerca de 70% dos financiamentos no país, leiloou 47 mil imóveis em 2024, mais de cinco vezes o volume de 2022 (9.000 imóveis). O aumento de imóveis disponíveis nessa modalidade ainda retrata o impacto da pandemia na economia, mas também é justificado pela alta da taxa Selic, que eleva os juros de financiamento.
Segundo Glauber Araújo, gerente de mercado imobiliário da plataforma de compra e venda de usados Superbid Exchange, a chave para obter maior rentabilidade está na habilidade de identificar oportunidades, avaliar o potencial de valorização e executar reformas eficientes.
Amaral orienta a dar atenção especial às cozinhas e aos banheiros ao reformar. “São os lugares que mais datam os imóveis e onde as mulheres, que são as que geralmente decidem fechar ou não o negócio, focam mais”, diz.
Ele afirma ainda que, em locais com expansão imobiliária, a atenção à escolha do imóvel para arrematar e reformar deve ser redobrada. “Não adianta fazer uma super reforma porque estará concorrendo com imóveis mais novos. É preciso escolher quais modificações são mais estratégicas para não deixar o imóvel mais caro do que os outros na região.”
Segundo Amaral, numa reforma básica, a margem de lucro do investidor que compra o imóvel por meio desse tipo de aquisição fica entre 25% e 30%. Enquanto para os que compram fora de leilão, o lucro fica em torno de 22%.
“Se o investidor conseguir pagar o valor de arremate por meio de financiamento, o lucro depois da reforma pode chegar a 80%, porque ele não terá investido todos os seus recursos de uma única vez”, diz o presidente da Abraim.
A engenheira civil Patrícia Policores, 32 anos, comprou um apartamento em Perdizes (zona oeste de São Paulo) por R$ 1 milhão em um certame. Ela está reformando quase todo o imóvel e, mesmo com os custos da obra, o valor total investido ainda ficará mais de R$ 300 mil abaixo do preço de mercado.
“Eu arrematei para vender, mas estou gostando tanto do resultado que vou me mudar para esse apartamento e comprar outro, também em leilão, para reformar e vender”, conta à Folha.
Acostumada a comprar de móveis a brinquedos e roupas em leilão, esse foi o primeiro imóvel arrematado por Patrícia. “Estava com valor três vezes menor do que o seu preço de mercado, então, fiquei atenta. No dia do leilão, o lance foi subindo, subindo e, mesmo assim, valeu a pena”, diz.
A principal dica para fazer um bom negócio, na opinião de Patrícia, é saber quanto vale realmente o imóvel. “Tem que pesquisar na internet mesmo e ver por quanto as pessoas estão vendendo outros apartamentos similares no mesmo prédio. Antes de entrar no leilão, eu agendei uma visita no empreendimento com um corretor para conhecer local. Eu consegui até subir num apartamento similar. Não podia checar o que adquiri porque tinha gente morando”, diz.
Outra tendência, segundo os especialistas do setor, é a aquisição de imóveis ofertados em pregões com foco em locação de curto prazo, como via Airbnb. A Leilão Eletrônico e a Casa Onze Imóveis fecharam uma parceria para atender especificamente esses investidores.
“Estamos falando de imóveis bem localizados, com vocação clara para locação e prontos para gerar rendimento imediato”, afirma André Zalcman, CEO da Leilão Eletrônico e advogado especialista em mercado imobiliário.
Segundo Zalcman, o modelo tem atraído especialmente compradores com visão de médio e longo prazo, que buscam consolidar carteiras de imóveis para aluguel ou revenda.
O QUE É UM LEILOEIRO OFICIAL?
O leiloeiro público oficial é o profissional habilitado pela Junta Comercial de cada estado do país, por meio de matrícula, a vender um bem em leilão.
Cabe ao leiloeiro organizar os lotes a serem leiloados, fazer a publicidade do leilão em redes sociais e outras mídias, assim como a organização da documentação e tratar sobre as burocracias que envolvem o processo, além de autorizar o início e o fechamento de um pregão.
Também é responsabilidade do profissional tirar todas as dúvidas dos interessados sobre o edital e o leilão. O leiloeiro está autorizado a receber de 4% a 10% sobre o valor do bem vendido no leilão. Em São Paulo, o profissional recebe 5% do valor do arremate.
Para confirmar que o leiloeiro é oficial, verifique no site da Junta Comercial do seu estado se o nome e registro do profissional estão devidamente credenciados.
“O leiloeiro não é um corretor de imóveis e não pode ser sócio nem ter vínculo trabalhista com as gestoras de leilão”, afirma Amaral.
QUAIS CUIDADOS TOMAR PARA COMPRAR POR LEILÃO VALER A PENA
Plataformas como Zipin, Leilão Imóvel, Zuk, Leilão Eletrônico e Superbid Exchange oferecem suporte, educação e ferramentas digitais para auxiliar os investidores.
A tendência é que as plataformas incorporem cada vez mais inteligência artificial, blockchain e realidade virtual para aprimorar a experiência e aumentar a segurança e eficiência da operação. Para quem considera investir, os especialistas dão algumas recomendações:
- Faça uma pesquisa detalhada
Realize uma análise abrangente da propriedade, incluindo localização, condições estruturais e potencial de valorização
- Se atente a um orçamento realista
Calcule não apenas o valor de compra, mas também os custos estimados de reforma e os custos mensais do imóvel até a venda. Em caso de imóveis ocupados, inclua os custos de desocupação
Leia atentamente o edital ou as condições de venda do leilão para entender os requisitos de pagamento e as possíveis restrições
- Considere uma equipe de apoio
Se o objetivo é tornar a compra de imóveis por meio de leilão em uma fonte de renda, avalie formar uma equipe com profissionais como advogados, engenheiros, arquitetos e empreiteiros para avaliar o imóvel e planejar reformas
- Fique atento à segurança da operação
Para evitar golpes, sempre busque oportunidades com leiloeiros oficiais, devidamente cadastrados na Junta Comercial do seu estado. Os pagamentos devem ser feitos exclusivamente em contas vinculadas ao nome do leiloeiro oficial. Desconfie de sites sem domínio “.com.br” ou com sinais de informalidade.