/ Jun 02, 2025

Um ciclo difícil de ler – 31/05/2025 – Ana Paula Vescovi

O Brasil iniciou 2025 com mais um sinal de que o crescimento deve surpreender analistas e o próprio Banco Central. O desafio, porém, é manter essa trajetória. No primeiro trimestre, o PIB (Produto Interno Bruto) avançou 1,4% em relação ao trimestre anterior, o melhor desempenho desde o início de 2023. O viés de crescimento para o ano tornou-se claramente altista, situando-se entre 2% e 2,5%.

O destaque ficou por conta da safra recorde, que impulsionou o PIB agropecuário em impressionantes 12,2%, do investimento (3,1%) e do consumo das famílias, que avançou 1%, sustentado pela melhora consistente do mercado de trabalho e pelo aumento da renda real.

Apesar do cenário favorável, esperamos arrefecimento na segunda metade do ano. Os efeitos acumulados do choque de juros desde setembro de 2024 —4,25 pontos percentuais de aumento na taxa Selic— e o patamar historicamente elevado da taxa real de juros tendem a reduzir o ritmo de investimentos e contratações, arrefecendo o setor de serviços e a indústria.

Do outro lado, a política fiscal segue expansionista. Em maio, houve o pagamento retroativo dos aumentos concedidos aos servidores públicos; em julho e agosto, estão previstos quase R$ 100 bilhões em precatórios, e há os programas sociais que seguem em execução. Os estados, com caixas robustos, aceleram a realização de obras, mirando a conclusão de mandatos e as eleições de 2026. E, no início do próximo ano, deve haver aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000.

O crédito, no entanto, continua sendo o principal termômetro do ciclo econômico. E havia, até recentemente, sinais de desaceleração gradual ao longo do ano. No primeiro trimestre de 2025, o volume de novas concessões e os saldos em aberto desaceleraram de forma significativa, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas.

Além do impacto da política monetária —o crédito é seu principal canal de transmissão—, uma mudança regulatória no início do ano contribuiu para essa tendência. A adoção de padrões internacionais, por meio de novas regras do Banco Central, exigiu mais provisões e reclassificações de ativos problemáticos e reduziu o apetite ao risco dos bancos. Também houve ruídos no crédito consignado do INSS, que frearam concessões.

Paralelamente, o endividamento das famílias voltou a crescer (77,6% da renda disponível), após as renegociações promovidas pelo programa Desenrola, aumentando os riscos de inadimplência.

Mas os surpreendentes dados de abril no mercado de trabalho, aliados aos impulsos fiscais e parafiscais já mencionados, exigem uma reavaliação desse cenário.

Em abril, o mercado de trabalho voltou a surpreender: a taxa de desemprego caiu para 6,1% (ajustada sazonalmente), um novo mínimo histórico, enquanto a taxa de formalização atingiu um recorde de 62%. A renda agregada acelerou, passando de 10% no último trimestre de 2024 para 13% no período de fevereiro a abril.

Com essa robustez, o crédito também voltou a acelerar em abril, contrariando nossas expectativas. O crédito às pessoas físicas cresceu, impulsionado pelas mudanças no crédito consignado privado (com crescimento de 226,5% nas novas concessões, em relação ao ano anterior). Também houve aumento nas concessões para pessoas jurídicas, especialmente em antecipações de recebíveis.

Como reflexo do dinamismo nas concessões, o crescimento dos saldos de crédito voltou a ganhar fôlego em abril —movimento surpreendente em um ambiente de juros elevados, de aumento das taxas de inadimplência e de elevação das provisões bancárias. Esses fatores, em tese, deveriam conter a expansão do crédito agregado.

Novos desafios surgem nessa leitura. A recente elevação do IOF sobre operações de crédito, especialmente para empresas, representa mais um risco para uma possível desaceleração. Além disso, permanecem os efeitos defasados da política monetária.

Não será trivial decifrar as resultantes de todos esses sinais mistos, advindos tanto da política monetária quanto de políticas governamentais. Mas o maior desafio de comunicação recairá sobre o Banco Central.

A mais recente decisão do Copom (Comitê de Política Monetária), ao reduzir o ritmo de corte de juros e manter em aberto os próximos passos, enfatizou o cenário externo, marcado por elevada incerteza e riscos de desaceleração global. A desinflação de bens —favorecida pela queda das commodities e pela fraqueza do dólar— ajudou a reduzir as pressões inflacionárias deste ano e deve moderar a inércia para 2026. Mas esse processo pode ter perdido força ou ser bem mais limitado daqui para a frente.

Tecnicamente, os componentes do crescimento atual ainda indicam uma economia sobreaquecida, com pressões crescentes sobre o cenário e sobre as expectativas de inflação. Há um descompasso entre os modelos de projeção do Banco Central, as estimativas do mercado e as taxas implícitas de inflação na curva de juros.

Os próximos passos do Copom prometem marcar um dilema importante: entre o reforço da credibilidade —essencial para reancorar expectativas e aumentar a eficácia da política monetária— e a interpretação de um cenário repleto de ambivalências.


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