/ Jun 03, 2025

Subsídio na luz deve ser reduzido, diz CEO da Eletrobras – 01/06/2025 – Mercado

Em setembro de 2023, o executivo Ivan Monteiro teve que lidar com um apagão em várias regiões no Brasil no primeiro dia em que assumiu o comando da maior empresa de energia privada da América Latina, privatizada em 2022. Menos de dois anos depois, o CEO da Eletrobras diz que a desestatização foi boa para o Brasil e para a empresa com o aumento dos investimentos.

Na primeira entrevista no cargo, na sede da empresa, num prédio renovado no centro do Rio de Janeiro, ele defende o corte de subsídios, os chamados jabutis, na discussão no Congresso Nacional da MP (Medida Provisória) do setor elétrico, enviada no final de maio pelo governo Lula.

“Todo mundo entende o subsídio como um incentivo colocado para indústrias emergentes, com data para ser retirado. Se mantém o subsídio, distorce a rentabilidade do ativo”, diz Monteiro.

Os incentivos a energias renováveis custaram R$ 13 bilhões ao consumidor brasileiro em 2024, segundo o subsidiômetro da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O governo propõe antecipar seu fim para compensar aumento de custos com a isenção na conta de luz para famílias de baixa renda.

Em coro com as empresas do setor, porém, Monteiro questiona a velocidade do fim dos subsídios proposta pelo governo. O texto já recebeu mais de 600 emendas parlamentares, algumas tentando reverter a eliminação dos incentivos ao fim dos contratos atuais.

“No início, as placas tinham determinado preço, que foi caindo drasticamente. Hoje, a contribuição para o custo total do projeto, especificamente dos painéis solares, caiu muito. Então, não existe mais essa necessidade de subsídio”, afirma.

Monteiro diz que o risco de apagão, como o da Europa neste ano, é baixo, mas é preciso ter eterna vigilância e mais investimentos. “Dado o nosso tamanho, a Eletrobras não tem o direito de errar. Se a gente errar, falta a luz imediatamente”, diz. Ele afirma que a empresa está se preparando para um cenário de mercado em que o cliente vai escolher de qual companhia comprar energia, como ocorre com as operadoras de celular.

Após a aprovação do acordo para ampliar a participação do governo na gestão da companhia, como vê o futuro da Eletrobras?

Estamos falando de uma empresa de 60, 70 anos, gerida como uma estatal a maior parte do tempo e que construiu uma base de ativos espetacular. A principal mudança é que a companhia passa a ter a capacidade de ter uma abordagem para esses ativos com muito mais longo prazo. Dado o nosso tamanho, a Eletrobras não tem o direito de errar. Se a gente errar, falta a luz imediatamente. Para não errar, só tem um jeito: investir em contingência, confiabilidade e disponibilidade.

Triplicamos os investimentos que eram feitos na época de estatal e diversificamos muito as fontes de financiamento. Isso é muito importante para ser competitivo nos leilões. O que a gente pôde fazer em termos de diversificação e incremento do investimento foi feito. Lembrando que herdamos obras inacabadas, legadas. E qual foi a nossa opção? Vamos concluí-las.

Quais são?

Vamos entregar neste ano, na segunda semana de setembro, o linhão Manaus-Boa Vista, que estava 12 anos atrasado, e vai interligar o único estado não conectado ao sistema. É uma obra emblemática, em que estamos investindo R$ 3,3 bilhões. Se soma ao parque eólico de Coxilha Negra [no Rio Grande do Sul], que entregamos no início do ano. É uma opção de crescimento orgânico. Estamos investindo nos nossos ativos, e só fazemos investimento inorgânico nos leilões que são colocados pelo governo, principalmente os de novas linhas de transmissão. Vamos participar neste ano ativamente de todos eles de novo. Estamos prontos para isso.

Como está sendo feita essa diversificação do fonte de financiamento?

No ano passado, captamos R$ 30 bilhões com fontes diferentes do que a companhia normalmente utilizava. Fizemos uma operação de US$ 400 milhões com a agência de fomento à exportação da Itália. Um tipo de operação que a companhia nunca tinha utilizado, porque a gente importou o equipamento da Itália. Usamos muito o mercado de capitais, debêntures incentivadas e uma política de buscar novos parceiros. Havia uma concentração muito grande dos bancos de relacionamento. Criamos uma diversificação dos bancos e ter uma participação hoje de outras geografias, bancos europeus, asiáticos.

Qual a avaliação da Eletrobras sobre a MP de reforma do setor elétrico?

Parece evidente que a gente precisa ter esse debate e nada melhor do que ser no Congresso. Mudou muito o perfil [do setor]. A MP acelerou o processo de entrada de novos consumidores que podem acessar e comprar sua energia com liberdade. Isso por si só é muito relevante, porque vai trazer competição. Ao trazer competição, novamente a gente vai na questão da regulação que visa a modicidade tarifária. Então, nós estamos preparando a Eletrobras para isso. Nós montamos uma equipe muito grande, completamente focada no cliente.

Nesse sentido, compara-se muito o momento com a abertura do setor de telecomunicações. A Eletrobras vai atuar como outras telefônicas, como Vivo, Claro, por exemplo, e oferecer pacotes para todo mundo? Na Inglaterra, o cliente já pode escolher de onde comprar.

Temos 751 clientes hoje, de uma base que era quase zero. Isso vai se expandir e vamos atingir o pequeno varejo através de parcerias. Toda a nossa discussão aqui na Eletrobras não é só prover energia. A gente quer ser um provedor de soluções de energia. Queremos descarbonizar determinados segmentos da economia brasileira, auxiliar o cliente nesse processo. Cada venda que a gente fizer de energia, vamos entregar um certificado do tamanho da descarbonização, que aquela compra proporciona ao cliente.

Outro aspecto da MP é que aumenta o universo da tarifa social. Ela cria um cronograma para redução do subsídio [à renováveis]. Todo mundo entende o subsídio como um incentivo colocado para indústrias emergentes, com data para ser retirado. Se mantém o subsídio, distorce a rentabilidade do ativo.

Vamos pegar o solar como exemplo. No início, as placas tinham determinado preço, que foi caindo drasticamente. Hoje, a contribuição para o custo total do projeto, especificamente dos painéis solares, caiu muito. Então não existe mais essa necessidade de subsídio.

Como fazer esse processo? A MP já recebeu mais de 600 emendas.

Evidentemente que retirá-lo de uma vez, causaria uma perturbação. O projeto foi concebido com determinado nível de retorno, com base naquele subsídio, com base num custo de financiamento que foi possível naquele momento. Então, defendemos sim que o subsídio seja retirado. Mas de uma forma discutida. Na discussão, surgirá uma melhor alternativa. Agora, a perpetuidade, eu acho que ninguém aqui defende.

Há a discussão sobre os chamados jabutis que foram colocados na tarifa de energia ao longo do tempo. Hoje, os pequenos consumidores pagam desproporcionalmente. É como se um camelô pagasse parte da conta de luz de um banco. Acha possível aprovar a lei sem ceder a lobbies?

A melhor forma de lidar com isso é mostrando o tamanho desse custo. Muitas vezes as pessoas não percebem o tamanho dele e dessas distorções, uma delas que você acabou de citar. Eu acho que sim. Nada melhor do que explicitar o quanto determinada situação está custando para a sociedade.

O Brasil viveu em 2022 um grande apagão e a Europa passou pelo mesmo problema agora. Em ambos os casos relacionados ao crescimento das energias renováveis. Qual é o risco de um novo apagão?

Acho o risco baixo, mas é uma eterna vigilância. Fizemos um aumento muito grande do investimento. No meu primeiro dia aqui, teve uma ocorrência. Pude ver como a companhia reagiu àquele evento, como a interação com o operador nacional do sistema aconteceu e a recomposição do Brasil foi bem mais rápida do que aconteceu na Europa. Isso mostra um pouco da qualidade, e olha o tamanho geograficamente do Brasil versus a Península Ibérica.

As renováveis são muito bem-vindas, porque constroem alternativas para o Brasil, mas elas geram uma nova forma do operador nacional fazer a gestão global dessa contribuição. Quando o sol se põe, quando tem uma flutuação na força do vento, isso gera uma volatilidade. Quem tem sempre a capacidade de gerar muita estabilidade no sistema são as hidrelétricas, a maior parte do nosso parque de geração.

O sr. defende que esse papel das hidrelétricas para não faltar luz seja remunerado?

Deveria ser remunerado, ter uma regulação que deixasse claro esse investimento e essa contribuição. Quando eu visitei Tucuruí, o pessoal comentou que a máquina foi ligada e desligada muitas vezes. Ela não foi originalmente concebida para isso. O que a gente faz? Moderniza, faz o investimento para essa nova realidade das máquinas, pelo acionamento que é feito.

Acha que o acordo com o governo encerra a pressão política do governo por maior ingerência na empresa?

Entendo que a conta foi positiva para as duas partes. Vide a reação do preço na ação. Foram 540 milhões de votos a favor. Isso mostra que o acordo foi percebido como positivo pelos acionistas e pelo próprio governo, que continua sendo o maior acionista da companhia.

O governo indicou três membros para o conselho. São profundos conhecedores do mercado. Ficou bastante satisfeito com essa indicação. E, sim, acho que vão ajudar bastante nesse momento. Na MP do setor elétrico, eles vão contribuir bastante na nossa discussão interna, na nossa proposição de melhorias para o debate que está ocorrendo no Congresso.

Mas como explicar para o contribuinte que o governo tem 40% da ação, mas ele só pode votar com 10%?

Não só o governo, todos os acionistas. Essa regra se aplica a todos. Outros acionistas podem ter até 20% mas só votam com o máximo de 10%. Essa privatização foi muito boa para o país, foi muito boa para a Eletrobras pela recuperação da capacidade de investimento numa economia que não tem crescido a níveis tão elevados. É a maior empresa de energia do país crescendo, investindo. E pagando o maior dividendo da nossa história, R$ 4 bilhões.

É importante preparar essa infraestrutura para o próximo crescimento. As decisões têm que ser estáveis, tem que respeitar contratos. Seria um rompimento muito grande [rever a privatização]. O processo foi feito com centenas de investidores. E 300 mil CPFs retiraram o seu dinheiro do FGTS. Não é uma questão de natureza ideológica, de ser contra ou a favor da privatização, é uma questão de respeito àquilo que foi aprovado pelo Congresso. Não foi uma decisão só da Eletrobras, foi uma decisão do próprio governo.

A Eletrobras privada ainda convive com heranças da estatal?

Existia um acordo coletivo de trabalho que foi elaborado numa lógica de empresa estatal e tinha várias cláusulas que são incompatíveis com uma empresa. Todo o sistema de normatização do setor elétrico brasileiro tem uma premissa básica, que é um termo chamado modicidade tarifária, ou seja, a melhor tarifa para o consumidor, a tarifa mais competitiva. Então, uma empresa como a Eletrobras, pela sua importância, pela sua presença em mercado, pelo seu tamanho, tem que ser uma empresa competitiva.

Nos processos de compra, a Chesf comprava para a Chesf. A Eletrosul comprava para a Eletrosul, etc. O que o fornecedor fazia? Ele arbitrava. Agora, temos uma grande previsibilidade. A gente dá a nossa programação de investimentos e aí o fornecedor se programa também, ele programa sua fábrica, seus equipamentos para serem produzidos e isso aumenta brutalmente a competitividade.

A alta do IOF aumenta o custo da empresa?

Vai aumentar o custo financeiro para todo mundo, para as empresas todas. Essa discussão tem que ser feita pelo governo, pela equipe econômica do governo. O que nós fazemos aqui como gestores é olhar a consequência disso no negócio da companhia.

O sr. voltou de um evento sobre o Brasil em Nova York. Qual a avaliação dos investidores?

O Brasil tem que se apresentar nesse momento como uma belíssima alternativa que é. Um exportador de energia, com uma matriz limpa, autossuficiente em produção de alimentos, que melhorou essa infraestrutura de escoamento. O Brasil tem que se apresentar competitivo.

Agora é muito difícil para os empresários, empreender com 14,75% de taxa básica de juros. Competir contra isso é muito difícil. Esse é um dos fatores que investidores de médio e longo prazos olham como diferencial para a sua decisão de investimento.


RAIO-X

Ivan Monteiro, 64

Manaus, 1960. Presidente da Eletrobras desde 2023, é engenheiro pelo Instituto Nacional de Telecomunicações. Foi ex-presidente da Petrobras em 2018 e diretor financeiro da companhia entre 2015 e 2018. Foi Co-CEO do Credit Suisse no Brasil. Fez carreira no Banco do Brasil.

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