A inteligência artificial ainda parecia coisa de ficção científica quando um incorporador imobiliário chamado Chad Williams comprou um terreno, com aproximadamente metade do tamanho de um campo de futebol americano, em Overland Park, Kansas.
Williams, que havia assumido os negócios da família, como concessionárias de veículos e fornecedores de móveis de escritório, usou o terreno em 2003 para construir seu primeiro data center, um grande armazém quadrado que abrigava computadores potentes.
Mais de duas décadas depois, a empresa que Williams construiu, a Quality Technology Services, está no centro de uma das maiores apostas de Wall Street: a corrida para lucrar com a IA.
Em 2021, o gigante do mercado financeiro Blackstone desembolsou US$ 10 bilhões (R$ 57 bilhões) para comprar a QTS. Desde então, tem injetado bilhões adicionais para expandir sua infraestrutura. Os centros de dados são, hoje, a espinha dorsal da internet —e agora também da inteligência artificial. Abrigam servidores de empresas como Amazon e Meta, consumindo eletricidade e água em escala industrial para manter as máquinas refrigeradas e operando 24 horas por dia.
Para a Blackstone, trata-se de um dos investimentos de “maior convicção” em sua história de 40 anos. A gestora, que já detém prédios de escritórios, armazéns e laboratórios, colocou mais de US$ 100 bilhões (R$ 570 bilhões) em centros de dados e infraestrutura relacionada —incluindo construtoras, usinas de gás natural e fabricantes de equipamentos.
E ela não está sozinha. Nomes como KKR, BlackRock e Blue Owl também estão despejando centenas de bilhões no setor. Com tantos negócios sendo anunciados, um executivo de Wall Street diz brincar com o termo “Braggawatt” —um trocadilho entre “brag” (gabar-se) e megawatt, medida usada para avaliar o porte dessas instalações.
O frenesi, no entanto, levanta dúvidas sobre um possível excesso de construções. Analista do TD Cowen, Michael Elias alerta para um cenário de “superoferta”, à medida que empresas como Microsoft e Foxconn têm abandonado alguns contratos. Mesmo assim, os anúncios continuam: a OpenAI planeja erguer um megacomplexo nos Emirados Árabes Unidos, e o investidor Chamath Palihapitiya revelou ter comprado terrenos no Arizona para, eventualmente, captar US$ 25 bilhões (R$ 142 bilhões) e construir um centro ali.
Joe Tsai, presidente do grupo Alibaba —que vê IA como pilar estratégico—, afirmou que começa a perceber “o início de uma bolha” no setor.
A Blackstone, porém, segue otimista. Segundo seus executivos, grandes empresas de tecnologia têm fechado contratos rígidos de locação por 15 a 20 anos, garantindo retorno a longo prazo.
“Não é como construir condomínio em Miami”, disse Jonathan Gray, presidente da Blackstone, em entrevista à Bloomberg. Segundo ele, a empresa só inicia obras quando já tem inquilinos garantidos.
Mesmo diante de alertas sobre excesso de oferta, a Blackstone reafirmou seus planos de expansão e investimentos em infraestrutura energética para manter os centros funcionando.
Quando comprou a QTS, em meados de 2021, o ChatGPT ainda não havia sido lançado. O negócio foi tratado sem alarde nas teleconferências da gestora com investidores.
Mas, com o lançamento do ChatGPT em 2022, a corrida por IA fez ações da Nvidia (fabricante dos chips usados nesses sistemas) dispararem, transformando-a em uma das empresas mais valiosas do mundo. Embalada por esse momento, a Blackstone multiplicou por nove o número de centros de dados alugados pela QTS em menos de quatro anos.
Gasto em infraestrutura
Entre os clientes da QTS estão Google e Meta, que anunciam investimentos bilionários em infraestrutura de IA. A Alphabet, controladora do Google, prevê gastar US$ 75 bilhões (R$ 426 bilhões) este ano; a Meta, até US$ 72 bilhões (R$ 409 bilhões).
Esses centros de dados demandam energia em níveis até 20 vezes maiores do que os utilizados na computação em nuvem tradicional. Precisam operar com 99,999% de disponibilidade —os “cinco noves” do jargão do setor—, o que equivale a cerca de cinco minutos de inatividade por ano.
A Blackstone também diversificou sua atuação fora dos Estados Unidos. Adquiriu um gigante do setor na Austrália com operações na Ásia e firmou parceria com a Digital Realty para construir quatro novos megacomplexos em Frankfurt, Paris e no norte da Virgínia.
Mesmo com o aumento da concorrência, a gestora acredita ter vantagem competitiva: capital em abundância e participação em empresas de construção e fabricação de equipamentos que ajudam a executar projetos em larga escala.
“Quando se chega a esse nível, poucos conseguem coordenar todos os elementos necessários”, afirma Nadeem Meghji, codiretor global de imóveis da Blackstone.
Mas o que parecia uma aposta invencível começou a dar sinais de fragilidade no início deste ano.
Em janeiro, a empresa chinesa DeepSeek anunciou ter desenvolvido um sistema de IA que consome menos energia e exige menos chips, levantando dúvidas sobre a necessidade de manter a expansão de centros de dados em ritmo tão acelerado.
A notícia sacudiu as premissas de diversos investidores. Mesmo assim, nos dias seguintes, Blackstone e seus clientes, incluindo Meta e Microsoft, reafirmaram seus compromissos com o setor.
No mês passado, porém, outro baque: a Microsoft anunciou a suspensão de construções de centros de dados em New Albany, Ohio, onde a QTS e outras empresas têm projetos em andamento.
“Não tivemos qualquer aviso prévio”, disse David Edelblute, funcionário público do condado de Licking, onde fica parte da cidade.
Rudy Sahay, fundador da Aquarian Holdings, contou que desistiu recentemente de um negócio porque o contrato permitia que os inquilinos saíssem com facilidade.
Investidores também se perguntam como a Blackstone —e outras gigantes de Wall Street— vão sair desses negócios. Poucas firmas têm capital para comprar empresas avaliadas em dezenas de bilhões de dólares. E operações coletivas são difíceis de estruturar. O modelo tradicional prevê a compra, valorização e revenda das empresas no prazo de cinco a sete anos, devolvendo o capital aos investidores.
Karl Kuchel, do banco australiano Macquarie, afirma que ainda é “uma incógnita” se haverá compradores para esses ativos gigantes quando chegar a hora da venda.
Se abrir o capital da QTS novamente não for uma opção viável, alguns investidores apostam que a Blackstone terá que encontrar maneiras criativas para os investidores sacarem seu dinheiro. A Blackstone poderia vender data centers individuais, disse Sean Klimczak, seu chefe global de infraestrutura. Alternativamente, ele observou que a Blackstone não precisa necessariamente vender os data centers, pois eles estão em certos fundos que mantêm os investimentos por tempo indeterminado.