/ Jun 05, 2025

Deserto do Atacama: o que visitar no Chile – 03/06/2025 – Turismo

Um muito famoso verso de Caetano Veloso, que fala “da força da grana que ergue e destroi coisas belas”, é em parte verdadeiro no Atacama, a cênica região desértica chilena, 1.600 quilômetros a norte de Santiago.

É que tudo que há ali, ao menos aquilo que está lá há centenas de milênios ou há milhões de anos, e que hoje serve de deleite para visitantes e turistas, surgiu por influência de outras forças que não a da grana, que ainda obviamente não existia. Chamemos essas forças de Big Bang, atração gravitacional, movimentação tectônica, magma, Deus.

Mas a grana que destrói está sempre à espreita, e no Atacama dos últimos anos ela pode ser traduzida por “lítio”. Em mais um paradoxo contemporâneo, a matéria-prima fundamental de um dos símbolos da energia limpa, a bateria dos veículos elétricos, é minerada na região, e algumas consequências são o rebaixamento de lençóis freáticos e a erosão de áreas do Salar do Atacama.

A taxa de erosão parece desprezível, de um a dois centímetros por ano, mas considere o tempo demandado para produzir, digamos, as cores do Vale do Arco-Íris, um dos cenários mais exuberantes do destino: intervalos de milhões de anos para a insurgência dos cerca de 250 minerais que são responsáveis pelos verdes, cinzas, brancos e vermelhos das pedras da paisagem, cenário que lembra bastante o da região de Purmamarca, na Argentina, não por acaso na mesma latitude, mas do outro lado dos Andes.

Ou o tempo para criar as condições térmicas que fazem irromper, à superfície, os jorros perenes de água quente em Tatio –os seus famosos gêiseres. A água a 85° impossibilita algo mais do que a mera contemplação, razão pela qual em minha visita recente à região, em abril, meu discurso soou inverossímil, quando não mentiroso, para os colegas de excursão, quase todos eles brasileiros.

Eu tinha estado ali havia 31 anos e lembrava de ter me deliciado, eu e uma horda de alemães, naqueles poços em que agora éramos aconselhados a jamais relar nem mesmo o mindinho.

Mas experiências contemplativas, mesmo em locais de beleza saturada como o Atacama, parecem já não ser suficientes, especialmente após longas jornadas dentro de uma van. Se os gêiseres são intocáveis, a laguna Cejar convida ao mergulho, ou melhor, à flutuação. Trata-se de uma lagoa com alta concentração de sal (e lítio), superior à do mar Morto, onde boia-se sem qualquer dificuldade.

A ida ao local, a cerca de 18 km do centro de San Pedro de Atacama, o vilarejo que é a base turística da região, pode ser feita de bicicleta, num tour, no meu caso, organizado pelo recém-reformado hotel Tierra Atacama.

No pedal, a paisagem desértica parece imutável, pontuada aqui e ali por centenários algarrobos, mas o horizonte pontuado de vulcões, com o Licancabur e seu cone nevado perfeitamente simétrico sempre à vista, é constante motivo para parar a bike e sacar outra vez o celular.

Os vulcões podem ser escalados, e não há tantas dificuldades técnicas como em outros rincões, exceto por conta da grande altitude. A 6.000, o próprio Licancabur tem altitude maior do que a do famoso acampamento base do Everest, e é necessário aclimatar. A lagoa verde na cratera é uma recompensa a ser considerada.

Mas diante de tantas atrações mais ao “rés-do-chão” de cerca de 2.400 metros de altitude de San Pedro, é o caso talvez de deixar a escalada para os escaladores. Bem mais leve é o esforço para chegar às Termas de Puritama, com água a cerca de 30 graus e pelo menos duas cascatas muito acessíveis, que garantem uma luxuosa hidromassagem natural.

O Atacama é muito lembrado por alguns “landmarks” próximos de San Pedro, como as formações inusitadas do Vale da Lua, atração cujo nome efetivamente entrega o que promete, mas, ironicamente, cada vez mais deixa de lado sua própria história.

A meros três quilômetros da Caracoles, a principal “calle” de San Pedro, estão as ruínas do Pukará de Quitor, vila atacamenha fortificada construída no século 12, que tempos depois serviria de cenário para o ataque sangrento do invasor espanhol.

Há um pequeno museu com vestígios e utilitários do povo atacamenho, que ali sentou praça ao menos um milênio antes, após aprender a domesticar o que viriam a ser as lhamas e alpacas que ainda hoje dominam a paisagem. Aqui também, e devo celebrar a sábia decisão, as ruínas já não podem ser mais tocadas, como eram em minha visita anterior, nos antediluvianos anos 1990.

Mas foram construídos no pukará trilhas e miradouros e, talvez imaginando-se magnânimo, um mecenas doou terras aos descendentes dos povos originários que hoje administram Quitor com um pitoresco “brinde”: rostos monumentais de feições indígenas esculpidos diretamente sobre a terra.

A região do Atacama é considerada ainda uma das mais privilegiadas do mundo para a observação astronômica, e no entorno de San Pedro pipocam pequenos observatórios privados que recebem turistas a fim de mirar o céu.

A olho nu, inicialmente, ou em telescópios relativamente potentes, ao final. Mas, como aconteceu comigo numa visita anterior a um observatório muito mais estruturado na região de La Serena, o afã do, digamos, intérprete estrelar em explicar o espetáculo acabou por turvar aquele momento de contemplação sublime.

A noite límpida de lua nova não poderia ser mais adequada, mas o blablablá constante, sem pausas, quase pôs tudo a perder. Eu ao menos fui contemplado com a visão de duas estrelas cadentes que, aparentemente, ninguém mais do meu grupo notou, preocupados em que estavam em seguir o prolongamento das retas de laser verde de nosso demiurgo de araque.

Nada, enfim, que não possa ser emendado numa nova visita a esse lugar impressionante que reclama sempre por uma nova visita.

San Pedro requalifica hospedagem com lodges all-inclusive

A hotelaria originalmente de qualidade bastante modesta de San Pedro recebeu grande upgrade com a chegada dos lodges all-inclusive, categoria em que o Tierra Atacama se inscreve.

O hotel, agora sob controle de um grupo australiano, reabriu em abril, após uma reforma de cerca de um ano que criou quatro novas suítes com funcionalidades como dressing room e banheira de imersão, e que incrementou o spa, que dispõe de piscinas aquecidas, sauna e uma paleta de tratamentos pagos de massagem.

A dinâmica de prover excursões e refeições sem custos extras foi mantida, e os guias têm grande preparo teórico, caso de Amaro Bravo, que à parte o notável conhecimento geológico, demonstra amor e entusiasmo por passar seus dias em locais que considera, com razão, deslumbrantes.

Como também acontece com o Tierra Patagonia, no extremo sul do Chile, a arquitetura do Tierra Atacama evita o monumentalismo, respeitando o ambiente em que está inserido, uma contenção louvável, contraponto à cozinha que poderia olhar com mais atenção para o público vegano, que fica praticamente ao deus-dará.

Um anexo vem sendo construído numa das extremidades da propriedade para receber um pequeno observatório astronômico. Apesar de a diária para o casal em reais poder bater nos cinco dígitos, o hotel estava nos dias de minha estada cheio de brasileiros, especialmente cariocas, que desfrutavam de uma junção aparentemente interminável de feriados.

O jornalista viajou a convite do Hotel Tierra Atacama

Notícias Recentes

Travel News

Lifestyle News

Fashion News

Copyright 2025 Expressa Noticias – Todos os direitos reservados.