Nada na programação da Fox no ano passado foi tão eletrizante —ou, por vezes, tão profano— quanto o drama que se desenrolou a portas fechadas num tribunal de inventário em Reno, Nevada (Estados Unidos). Rupert Murdoch, o fundador e acionista controlador da Fox Corporation e da News Corp, atualmente com 94 anos, tentava alterar os termos de um fundo familiar para impedir que três de seus filhos herdassem o controle das empresas após sua morte. A manobra jurídica de alto risco foi rejeitada. Um recurso —e, portanto, uma nova temporada de entretenimento mórbido para observadores da mídia— está a caminho.
Enquanto os Murdoch continuam uma disputa familiar bilionária que já dura décadas, o império pelo qual brigam segue prosperando. Isso surpreende por dois motivos. Primeiro, crises de sucessão e incertezas jurídicas costumam minar a confiança dos investidores. Segundo, os conglomerados Murdoch operam majoritariamente em televisão linear e jornalismo impresso —setores em declínio e pouco valorizados pelo mercado. Por que, então, dois veículos tradicionais controlados por uma dinastia disfuncional seguem tão populares entre investidores?
Comecemos pela Fox, a maior das duas empresas, com valor de mercado de US$ 24 bilhões (R$ 136 bilhões). Seu foco é a televisão aberta e a cabo nos EUA, setores que vêm sangrando há anos. Em 15 anos, a proporção de lares com TV por assinatura caiu de quase 90% para cerca de 50%, com a migração de audiência para serviços de streaming como a Netflix. Já a TV aberta perde espaço rapidamente: os americanos hoje passam metade do tempo que gastam com streaming assistindo à TV tradicional, segundo a Nielsen.
Apesar da tendência negativa, as ações da Fox dispararam. O diferencial está no conteúdo. Em 2019, a Fox vendeu seus ativos de entretenimento geral para a Disney por US$ 71 bilhões (R$ 402 bilhões), no auge do mercado, e decidiu focar notícias e esportes. Foi um acerto: enquanto o entretenimento geral migrou para o streaming, notícias e esportes permaneceram na TV linear —e, portanto, com a Fox. “Sempre foram a empresa mais empreendedora, sempre enxergaram à frente”, diz Jessica Reif Ehrlich, analista de mídia do Bank of America.
Apesar do crescente interesse dos streamings por esportes, a audiência da Fox permanece estável: a exibição da Indy 500 no mês passado atraiu 7,1 milhões de espectadores, a maior audiência desde 2008. Já a Fox News teve recentemente o trimestre mais assistido da história da TV a cabo, impulsionado pelo caos gerado pelo novo ocupante da Casa Branca. Com isso, mesmo com o encolhimento do mercado de TV paga, as receitas da Fox com taxas de afiliação (valores pagos por operadoras para transmitir seus canais) subiram de US$ 5,9 bilhões (R$ 33,5 bilhões) em 2020 para US$ 7,3 bilhões (R$ 41,4 bilhões) no ano passado.
O retorno de Donald Trump também ajudou o negócio de publicidade da Fox, ao normalizar discursos que antes afastavam grandes marcas da Fox News. Hoje, além de anúncios de ouro e travesseiros “mágicos”, a emissora exibe comerciais de Amazon, Netflix e GE. “Com os resultados da eleição, muitos anunciantes repensaram seu posicionamento e entenderam que o público da Fox News representa de fato a mídia americana”, disse Lachlan Murdoch, CEO da Fox, em março.
Sem entrar de cabeça na dispendiosa guerra do streaming —na qual empresas perderam bilhões para conquistar assinantes—, a Fox agora começa a experimentar o setor. Em 2020, comprou a Tubi, um serviço gratuito de streaming com anúncios. A Tubi já superou rivais como a Pluto (da Paramount) e deve faturar mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,7 bilhões) este ano. Em fevereiro, a Fox transmitiu o Super Bowl pela Tubi, atraindo 8 milhões de novos usuários —40% deles com menos de 34 anos, faixa etária difícil de alcançar na TV paga.
A aposta mais recente da Fox é o Fox One, plataforma que reunirá todo seu conteúdo linear e será lançada antes do início da temporada da NFL em setembro. Ao contrário de outros gigantes tradicionais da mídia, que enfrentam o dilema de colocar seus melhores programas no streaming e prejudicar seus pacotes de TV, a Fox não precisa proteger uma “cauda longa” de canais pouco relevantes. “A beleza da Fox é que, por não ter um monte de canais lineares fracos para proteger, ela é muito ágil”, diz Jason Bazinet, do Citigroup. “Eles são agnósticos quanto ao streaming —estrategicamente, estão muito bem posicionados.”
Já a News Corp —que controla títulos como Wall Street Journal e New York Post— atrai investidores por outros motivos. O setor de jornais impressos também enfrenta dificuldades, com circulação em queda e perda de receitas publicitárias para Google e Meta. Estima-se que mais de 3.000 jornais fecharam nos EUA nas últimas duas décadas —um terço do total. Ainda assim, as ações da News Corp subiram quase 50% nos últimos dois anos.
Um dos motivos é o sucesso do Dow Jones, que publica o WSJ. Enquanto o Post e outros veículos dependentes de publicidade sofrem com a queda no tráfego online, o Journal, com foco em assinaturas, prospera, como o New York Times. O Dow Jones também lucra com venda de dados para empresas, e sua receita subiu 40% desde 2020, compensando quedas em outros negócios jornalísticos da News Corp. A editora HarperCollins, também do grupo, contribuiu para o crescimento com o boom dos audiolivros.
Mas o maior motor das ações da News Corp está fora do jornalismo. Entre seus ativos está 61% da REA Group, plataforma australiana de classificados imobiliários. A família Murdoch investiu na empresa em 2001, quando ela beirava a falência após a bolha da internet. O investimento se mostrou acertado: com o boom imobiliário australiano, a REA vale hoje mais de US$ 20 bilhões (R$ 113 bilhões) —US$ 4 bilhões (R$ 22 bilhões) a mais que a própria News Corp. “O entusiasmo do mercado com a News Corp tem mais a ver com a REA do que com livros ou jornais”, diz Bazinet. Ele calcula que, entre 2017 e 2024, houve uma correlação de 84% entre os movimentos das ações da News Corp e os da REA.
Enquanto o império prospera, a disputa familiar continua. Rupert Murdoch estaria decidido a garantir a liderança de seu filho mais velho, Lachlan —que além de CEO da Fox é presidente da News Corp—, frente a uma futura tentativa de remoção por parte dos irmãos Prudence, Elisabeth e James, que discordam em diferentes níveis da linha editorial conservadora dos veículos da família. Pelo atual acordo do fundo familiar, os três irmãos terão votos suficientes para destituir Lachlan após a morte do patriarca. A menos que Rupert consiga alterar o fundo ou comprar a parte dos irmãos dissidentes, mudanças no comando podem estar a caminho.
Curiosamente, essa possibilidade tem animado parte do mercado. Investidores ativistas na News Corp há anos pedem que a empresa separe sua participação na REA, argumentando que jornais e imobiliária teriam melhor desempenho sozinhos. A Fox também se beneficia da especulação de que poderia ser alvo de aquisição, à medida que estúdios de Hollywood buscam ganhar escala.
Se o controle passar para irmãos insatisfeitos com o status quo, cresce a chance de venda ou cisão. O entusiasmo dos investidores com Fox e News Corp se deve, em parte, à gestão estratégica de Rupert Murdoch. Mas também à percepção de que seu tempo à frente do império está chegando ao fim.