A ignorância, quando vem acompanhada de um diploma, torna-se mais difícil de ser detectada. Esse é um traço de uma parcela de nossa elite acadêmica. Um grupo em grande medida beneficiado pelo funil de classe do país e que costuma se esforçar para o avanço científico, mas raramente questiona suas próprias certezas.
Parte dela procura acumular credenciais e artigos acadêmicos como quem coleciona medalhas da vaidade. Cada publicação é um troféu que confirma sua posição no circuito da respeitabilidade. Mas, nesse esforço por reconhecimento entre pares, frequentemente perde-se de vista um importante propósito do conhecimento. O propósito de compreender o mundo para transformá-lo.
Em muitos casos, o pensamento acadêmico, em vez de iluminar os desafios da sociedade, passa a circular apenas entre especialistas, reforçando círculos fechados da academia e desconectando-se dos problemas reais. O prestígio acadêmico vira um fim em si mesmo. Um prestígio que acaricia o ego, mas é impotente diante das demandas sociais.
É claro que produzir pesquisa no país não é fácil. E que os incentivos levam muitos a focar somente na produção acadêmica. Entretanto, trancada em seu próprio universo e encantada com o aplauso entre colegas, parte dessa elite se esquece de falar para além dos muros da universidade.
Ao se afastar do diálogo com a sociedade, ela reforça a concentração da palavra nas mãos de quem tem menos escrúpulos e mais apetite por simplificações. Enquanto pesquisadores refinam conceitos, testam teorias e avaliam políticas públicas, são outros que costumam ocupar o imaginário coletivo com fórmulas fáceis e opiniões embaladas para o consumo rápido. O resultado é desconfortável… Nunca se produziu tanto conhecimento e talvez nunca ele tenha sido tão pouco ouvido fora do circuito acadêmico.
A universidade, se quiser continuar relevante, precisará aprender a arte de falar com o país, não apenas sobre ele. Porque, quando o saber abandona o espaço público, outros saberes, menos rigorosos e mais barulhentos, tomam seu lugar. E o vácuo que se abre entre o conhecimento e a realidade será preenchido, cedo ou tarde, por algum tipo de fé.
Além disso, geralmente existe uma desconexão quando os temas abordados são tratados como objetos externos, distantes e quase abstratos. Fala-se sobre a pobreza sem ouvir os pobres. Debate-se educação sem pisar numa escola pública. Escreve-se sobre mobilidade social a partir de departamentos universitários onde tudo é estável há gerações.
Nesse contexto, quanto mais se cerca de discursos sofisticados, mais seus integrantes se distanciam do potencial transformador que grandes mentes podem realizar. A ignorância, nesse cenário, não está na ausência de conhecimento. Está na convicção infundada de que o acúmulo de credenciais basta para compreender o mundo e que seu prestígio na sociedade permanece como outrora. Está na erudição que substitui o compromisso e na recusa de encarar a realidade com humildade. Tem-se, então, uma ignorância ilustrada, polida e refinada, mas, ainda assim, uma ignorância.
Este texto é uma continuação da série sobre elites e uma homenagem à música “Tezeta“, palavra em amárico que significa “nostalgia”, de Mulatu Astatke.