O conflito comercial entre EUA e China está rapidamente se transformando em uma disputa por cadeias de suprimentos globais, à medida que as duas nações limitam o compartilhamento de tecnologias críticas que podem ter consequências duradouras para diversos setores industriais.
Os Estados Unidos suspenderam na semana passada algumas vendas para a China de componentes e software usados em motores de aviões e semicondutores, uma resposta à repressão de Pequim à exportação de minerais utilizados em grandes setores da indústria. Nos últimos dias, ambos os lados acusaram o outro de agir de má-fé.
A guerra de cadeias de suprimentos, que se soma às tarifas que os dois países impuseram às importações um do outro, alarmou empresas que afirmam não conseguir fabricar seus produtos sem componentes provenientes de ambos. E deixou autoridades em Washington cada vez mais nervosas sobre outros pontos de estrangulamento onde a China poderia pressionar os Estados Unidos, incluindo produtos farmacêuticos ou transporte marítimo.
“As guerras de cadeias de suprimentos sobre as quais especulamos por anos estão acontecendo agora”, disse Liza Tobin, ex-conselheira de segurança nacional da Casa Branca que agora é diretora-executiva da Garnaut Global, uma empresa de consultoria de riscos.
Nas últimas semanas, a indústria aeronáutica emergiu como arma e vítima nessa disputa.
A tecnologia de motores a jato que impulsiona aviões e os sistemas de navegação que os controlam vêm principalmente dos Estados Unidos, desenvolvidos por empresas como a General Electric. Na busca da China para construir um concorrente viável à Boeing, por exemplo, o país teve que obter tecnologia de motores da GE Aerospace.
Mas um motor a jato também não pode ser fabricado sem a China. Minerais processados lá são essenciais para revestimentos especiais e componentes que ajudam o motor a operar suavemente em altas temperaturas, além de outros usos.
Pequim restringiu as exportações desses minerais, conhecidos como terras raras, em abril, após o presidente Donald Trump começar a impor altas tarifas sobre importações chinesas.
A medida ameaçou fechar o que resta da manufatura avançada nos Estados Unidos —incluindo o trabalho realizado por muitos contratados de defesa. Em maio, a Ford fechou temporariamente uma fábrica em Chicago depois que um de seus fornecedores ficou sem os ímãs necessários para construir carros.
Os Estados Unidos responderam com suas próprias restrições tecnológicas. Na semana passada, autoridades americanas suspenderam algumas licenças que permitiam a empresas americanas enviar tecnologia aeronáutica para a China, além de outras relacionadas à biotecnologia e semicondutores, segundo pessoas familiarizadas com a medida.
Ao mesmo tempo, autoridades dos departamentos de Defesa e Interior e do Conselho de Segurança Nacional estão acelerando esforços para encontrar mais fontes domésticas de terras raras, incluindo a consideração de financiamento governamental para novas minas e instalações de processamento, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.
Mas tais esforços podem levar anos para dar frutos. Em média, os Estados Unidos levaram 29 anos para desenvolver uma única mina, de acordo com estatísticas da S&P.
A administração Trump também está considerando outras ações. Tem avaliado incluir grandes fabricantes chineses de chips, bem como unidades de gigantes tecnológicos chineses como Alibaba, Tencent e Baidu, em uma chamada “lista de entidades” que os proíbe de realizar comércio com os Estados Unidos, segundo pessoas familiarizadas com as discussões.
A batalha da cadeia de suprimentos vem se formando há anos. E ambos os países têm tentado se proteger contra o controle do outro sobre bens estratégicos, diversificando suas próprias fontes de suprimento.
Depois que Trump impôs tarifas à China durante seu primeiro mandato, muitas empresas americanas estabeleceram fábricas em países fora da China, incluindo Vietnã e México. Xi Jinping, líder da China, se propôs a tornar seu país menos dependente de fontes estrangeiras de energia e tecnologia, injetando enormes investimentos em fábricas de semicondutores, painéis solares e veículos elétricos.
Mesmo assim, as economias permanecem profundamente integradas, uma realidade intratável enquanto centenas de bilhões de dólares em comércio fluem pelo Pacífico a cada ano. Embora ambos os países estejam determinados a reduzir suas dependências mútuas por razões de segurança nacional, fazê-lo será caro e doloroso.
Desde 2022, por exemplo, os Estados Unidos vêm expandindo constantemente um sistema global para regular semicondutores avançados e impedir que a tecnologia chegue à China. As regras visam restringir o acesso da China à inteligência artificial e à computação avançada necessárias para aumentar seu poderio militar. Mas têm enfrentado forte resistência de uma indústria que vê a China como uma importante fonte de receita.
Os Estados Unidos estenderam esses controles de exportação ao redor do mundo, proibindo até mesmo empresas em outros países de vender produtos para a China se usarem peças, tecnologia ou software americanos para fabricá-los. Embora alguns governos estrangeiros tenham se irritado com essas regras, muitos acabaram se alinhando.
Esse sistema se baseia na ideia de que os Estados Unidos devem ser a única potência global cujas regras outros países precisam cumprir. Mas para a China, os minerais de terras raras são uma forma de desafiar a afirmação americana de dominância.
Pequim estabeleceu um sistema de licenciamento que permite monitorar e aprovar vendas de terras raras, e ímãs feitos a partir delas, para empresas em todo o mundo. Quando Trump aumentou as tarifas sobre a China para 145% em abril, Pequim respondeu visando as remessas de terras raras, incluindo a suspensão de muitas delas.
Em maio, autoridades americanas e chinesas organizaram uma reunião em Genebra para tentar reduzir suas tensões comerciais. A administração Trump tinha vários motivos para tentar estabelecer uma trégua. Empresas vinham alertando sobre o risco de prateleiras vazias nas lojas ainda este ano devido à queda das importações da China, e os mercados de ações e títulos estavam sinalizando alertas. Mas foram as restrições chinesas às terras raras que pareceram pressionar mais os Estados Unidos a buscar uma resolução.
Os negociadores concordaram em Genebra em reduzir as tarifas. Como parte do acordo, a China disse que “suspenderia ou removeria as contramedidas não tarifárias tomadas contra os Estados Unidos desde abril”, segundo uma declaração conjunta.
Autoridades americanas dizem que os envios chineses ainda não retornaram aos níveis anteriores. Durante uma aparição na CNBC na sexta-feira (30), Jamieson Greer, representante comercial dos EUA, disse que os chineses estavam “retardando seu cumprimento” e que autoridades americanas “não viram o fluxo de alguns desses minerais críticos como deveriam estar fazendo”.
Trump foi mais direto. Em uma postagem no Truth Social na sexta, ele escreveu que a China “violou totalmente seu acordo conosco”, acrescentando: “Adeus ao Sr. Bonzinho!”
Lin Jian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, negou a acusação em uma coletiva nesta terça-feira (3), dizendo que a China havia “implementado seriamente” o consenso alcançado em Genebra. Autoridades chinesas dizem que foram os Estados Unidos que quebraram o acordo, inclusive ao emitir um aviso dizendo que o uso de chips fabricados pela Huawei, a empresa de tecnologia chinesa, em qualquer lugar do mundo violava a lei americana.
“Os EUA, sem qualquer base factual, difamaram e acusaram a China, impuseram controles de exportação de chips, suspenderam vendas de software de design de chips para a China e anunciaram o cancelamento de vistos de estudantes chineses — medidas extremas que prejudicam gravemente o Consenso de Genebra e os direitos e interesses legítimos da China”, disse Lin.
Embora algumas montadoras e fabricantes de eletrônicos dos EUA tenham recentemente recebido licenças da China para remessas de minerais, a incerteza e o contínuo acúmulo de pedidos pelos produtos continuam deixando as empresas nervosas. A China também parecia estar dando preferência a empresas europeias em detrimento das americanas.
As tensões estão transbordando para outros aspectos das relações diplomáticas dos Estados Unidos com a China. A administração Trump também propôs planos para “revogar agressivamente” vistos de estudantes chineses, incluindo aqueles com laços com o Partido Comunista.
Não está claro como as tensões podem ser amenizadas. Karoline Leavitt, secretária de imprensa da Casa Branca, disse na segunda-feira (2) que Trump e Xi provavelmente conversariam em uma ligação esta semana. O porta-voz do ministério das relações exteriores chinês disse que não tinha “nenhuma informação a oferecer” sobre a ligação.
Daniel H. Rosen, cofundador do Rhodium Group, uma empresa de pesquisa, disse que Pequim reconheceu há anos que as terras raras seriam centrais para tecnologias avançadas e subsidiou a expansão desses suprimentos. Os Estados Unidos, acrescentou, “subestimaram horrivelmente” a demanda por eles.
A China extrai 70% das terras raras do mundo, mas faz o processamento químico de 90% delas. O país também fabrica mais de 80% das baterias do mundo, mais de 70% de seus carros elétricos e cerca de metade do aço, ferro e alumínio do mundo, segundo dados da Agência Internacional de Energia.
Garantir um fornecimento alternativo provavelmente exigiria que os Estados Unidos investissem centenas de bilhões de dólares, disse Rosen, e cooperação com parceiros globais dispostos a trabalhar para estabelecer cadeias de suprimentos fora da China.
“Vai ser caro”, disse ele. “Temos um longo caminho pela frente”.
Embora algumas remessas de minerais tenham sido retomadas, muitas indústrias americanas continuam ansiosas com a escassez de suprimentos. Paul Triolo, sócio do Albright Stonebridge Group, disse que o sistema de licenciamento chinês era complicado e que houve uma queda notável nas remessas de minerais críticos desde o início de abril, quando Trump emitiu pela primeira vez tarifas astronômicas sobre a China.
Triolo disse que os Estados Unidos não tinham escolha a não ser negociar com Pequim sobre a questão, além de estabelecer uma estratégia de longo prazo com outros países para reduzir sua dependência da China nos próximos cinco a sete anos.
“Este problema é profundo e duradouro”, disse. “Não vai desaparecer, nem ser facilmente resolvido”.