/ Jun 06, 2025

MP que altera setor elétrico é desafio político e técnico – 03/06/2025 – Joisa Dutra

Finalmente chegou ao Congresso a prometida proposta de mudanças no setor elétrico. A Medida Provisória nº 1.300/2025, que trata de justiça tarifária, abertura de mercado e equilíbrio tarifário, recebeu cerca de 600 emendas —um indicativo claro dos desafios políticos e técnicos que vêm pela frente.

Vejamos os dois primeiros pilares da proposta.

No tema da justiça tarifária, a MP altera a tarifa social, substituindo o modelo de descontos escalonados (até 230 kWh) pela gratuidade até 80 kWh e benefícios parciais até 120 kWh. O novo formato, embora focado em consumidores de baixa renda, ignora um princípio essencial da boa política energética: o incentivo à eficiência.

Seguimos sob os compromissos da COP28, que incluem dobrar a taxa de melhora da eficiência energética até 2030. Ao eliminar o sinal de preço para o consumo inicial, a proposta caminha na direção oposta.

É possível —e desejável— buscar inspiração em boas práticas de outros setores. No saneamento, por exemplo, empresas como a Aegea implementaram modelos de cobrança flexíveis. É o caso da “tarifa 10” – que cobra R$ 10 de famílias em situação de extrema pobreza. Soluções como essa respeitam a capacidade de pagamento sem abrir mão da sustentabilidade financeira e do engajamento com o consumidor.

Mais preocupante, contudo, é o risco de que o modelo da gratuidade se torne referência para outras áreas —como o próprio saneamento— fragilizando ainda mais a saúde econômico-financeira de setores com alta demanda de investimentos.

A proposta alega inspiração internacional, mas falta consistência. Nenhum dos casos frequentemente citados como exemplo de justiça tarifária sustenta o desenho apresentado na MP.

O segundo pilar, foco principal desta coluna, trata da abertura do mercado para todos os consumidores, inclusive os de baixa tensão, a partir do final de 2027. A ideia é permitir que qualquer consumidor escolha livremente seu fornecedor de energia, em nome da concorrência e da redução de preços.

Mas liberdade exige responsabilidade. Quem não aderir —ou for inadimplente— deverá ser atendido por um SUI (Supridor de Última Instância), figura criada pela MP. A sustentabilidade do modelo depende de uma boa arquitetura de riscos. Sem isso, a conta acaba sobrando —adivinhe para quem?— para quem permanecer no ambiente regulado.

O ponto central é que essa proposta nos coloca na rara posição de adotar uma abertura total do mercado sem que haja um verdadeiro mercado para a contratação de energia. Em países como o Reino Unido, da União Europeia, Austrália, ou nos estados liberalizados dos EUA, a liberalização ocorreu junto à criação de mercados organizados, com formação transparente de preços e regulação prudencial —elementos ausentes no Brasil.

Por aqui, os contratos no ambiente livre são opacos. O preço de referência é de curto prazo, calculado por modelos matemáticos com limitações conhecidas. Em 2017, a EDP já alertava para esse problema na Consulta Pública nº 33: “Enquanto modelos forem utilizados para decisões de despacho, devem ter código-fonte aberto, governança adequada de parâmetros e amplo conhecimento público”.

Oito anos depois, o problema persiste —e a nova proposta não o enfrenta. Sem um sistema de preços transparente e seguro, a abertura não trará as reduções de tarifas esperadas. Tampouco dará sinais eficientes para o uso e produção de energia elétrica.

A experiência internacional mostra que os ganhos reais da liberalização tendem a ser inferiores às expectativas. Estudos indicam que, em média, os benefícios efetivos giram em torno de 5%, contra os 20% prometidos. E são ainda menos percebidos por consumidores de menor renda, que trocam pouco de fornecedor.

Não se trata de ser contra a abertura —que, em princípio, é positiva—, mas de reconhecer que, sem estrutura de mercado e regulação adequada, ela tende a gerar frustração ou, pior, ineficiência. A regulamentação do SUI é apenas uma parte do quebra-cabeça. Precisa ser tratada com transparência e foco em segurança, na alocação de riscos e na proteção dos consumidores.

Fica o alerta: sem mercado de verdade, a liberalização tende a frustrar expectativas —deixando a conta, mais uma vez, para quem não tem escolha. Se não deu para enfrentar o tema agora, trabalhemos para isso.


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