A reforma tributária pode levar as empresas a reverem os benefícios dados a colaboradores e administradores, em especial o fornecimento de veículos e a cessão de imóvel para moradia.
Pela regra geral, os tributos que incidem sobre os bens e serviços adquiridos por uma empresa serão recuperados na forma de créditos, exceto se forem considerados como de uso ou consumo pessoal.
Estão nessa condição aqueles fornecidos de forma não onerosa ou a valor inferior ao de mercado para acionistas, administradores, empregados e parentes destes.
A lei que regulamentou a reforma coloca nessa lista imóveis residenciais e veículos, incluindo custos relacionados à sua aquisição e manutenção —inclusive seguro e combustível.
Outros benefícios não serão tributados, desde que atendidas certas condições. Esse é o caso de planos de saúde, incentivos educacionais e vales (transporte, refeição e alimentação), desde que estejam previstos em acordo ou convenção coletiva de trabalho a partir de 2027.
A legislação também garante que não serão considerados bens e serviços de uso ou consumo pessoal aqueles utilizados preponderantemente na atividade econômica da empresa, como uniformes, equipamentos, alimentação e serviços de saúde e creche no próprio estabelecimento, por exemplo.
Esses dispositivos buscam evitar que algumas pessoas utilizem o CNPJ para usufruir de bens e serviços sem pagar impostos, daí a atenção especial a acionistas e pessoas da administração da companhia.
Se a pessoa física fosse comprar um veículo, teria de pagar os novos tributos nessa aquisição. Se uma empresa fez a compra e repassou para o sócio ou administrador, isso não deveria afastar a tributação dessa transação.
Elisa Henriques, sócia na área tributária do Velloza Advogados, afirma que, atualmente, a discussão sobre a tributação de benefícios concedidos a diretores e administradores de empresas está focada na questão da incidência ou não da contribuição previdenciária.
Ocorre a tributação quando esse valor é entendido pela Receita Federal como parte da remuneração, e não algo necessário para realização do trabalho. Esses benefícios nunca foram considerados, no entanto, como venda de mercadoria ou prestação de serviço para fins de tributação.
“Essa mesma questão que temos hoje para a contribuição previdenciária, que é diferenciar se aquilo tem uma característica de ferramenta de trabalho ou de benefício, vou passar a ter que olhar também no âmbito do IBS e da CBS”, diz a advogada, citando os dois novos tributos sobre bens e serviços.
Ela afirma que, em alguns casos, já existe jurisprudência consolidada no âmbito previdenciário, mas não é possível garantir que a regra aplicada a um tributo valerá para outros.
Neste momento, a recomendação é que as empresas façam um mapeamento da situação dos benefícios atuais para avaliar a possibilidade de aumento de custos. Também é necessário verificar se tal incentivo pode ser simplesmente cortado no futuro ou se a sua eliminação pode gerar riscos trabalhistas.
“Em alguns casos, quando envolve empregados e diretores com contrato de trabalho assinado, um benefício pode eventualmente ser considerado como incorporado ao salário. Então há também essa preocupação de ordem trabalhista”, afirma a advogada.
Em entrevista à Folha em maio deste ano, para falar sobre as mudanças na tributação de imóveis, o auditor fiscal Jefferson Valentin alertou para a questão do fornecimento de imóvel para moradia ou exploração econômica por sócios ou parentes destes.
Nesse caso, o fornecimento é tributado, por se tratar de operação com parte relacionada, mas haveria vedação ao direito de crédito, pelo enquadramento como uso ou consumo pessoal do bem —o que pode ser entendido como contrário ao princípio constitucional da não cumulatividade.
O QUE DIZ A LEI SOBRE BENS DE USO OU CONSUMO PESSOAL
- Joias, pedras e metais preciosos; obras de arte e antiguidades de valor histórico ou arqueológico; bebidas alcoólicas; derivados do tabaco; armas e munições; bens e serviços recreativos, esportivos e estéticos;
- Imóvel residencial e veículo e os demais bens e serviços relacionados à sua aquisição e manutenção, inclusive seguro e combustível.
- Os bens e serviços adquiridos ou produzidos pelo contribuinte e fornecidos de forma não onerosa ou a valor inferior ao de mercado para: O próprio contribuinte, quando este for pessoa física; sócios, acionistas, administradores e membros de conselhos de administração e fiscal e comitês de assessoramento do conselho de administração; empregados; cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau destes
- Não se consideram bens e serviços de uso ou consumo pessoal aqueles utilizados preponderantemente na atividade econômica do contribuinte
- Também não estão na lista planos de assistência à saúde, benefícios educacionais e fornecimento de vale-transporte, de vale-refeição e vale-alimentação destinados a empregados e seus dependentes em decorrência de acordo ou convenção coletiva de trabalho
Fonte: Art. 57 da lei complementar 214/2025