/ Jun 06, 2025

Mercado legal de ouro está mais limpo após fim da boa-fé – 04/06/2025 – Mercado

O fim da presunção da boa-fé –instrumento que permitia a comercialização do ouro no Brasil apenas com base nas informações dos vendedores sobre sua origem– reduziu a quantidade de metal extraído ilegalmente que chega ao mercado formal, dificultando a lavagem do produto clandestino.

Ainda assim, segundo quem acompanha o assunto de perto, facções criminosas e garimpeiros contornam as barreiras e escoam o material irregular via mercado paralelo.

Em março, o plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) seguiu decisão do ministro Gilmar Mendes de 2023 e consolidou o fim da norma que estabelecia a presunção da boa-fé na comercialização de ouro no Brasil. O dispositivo funcionava como álibi dos compradores do ouro ilegal, que diziam confiar nas informações prestadas pelos vendedores quando eram confrontados por órgãos fiscalizadores.

Agora, números da ANM (Agência Nacional de Mineração) apontam uma aparente queda na quantidade de ouro ilegal vendido no mercado formal do país. Uma DTVM (Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários) foi a 5ª empresa que mais pagou royalties pela extração de ouro entre 2002 e 2025. Em 2021, ela foi a terceira (R$ 30,9 milhões); em 2022, a 4ª (R$ 18 milhões); em 2023, a 6ª (R$ 14,6 milhões) e em 2024, a 12ª (R$ 9,7 milhões).

Na extração garimpeira, as DTVM são as responsáveis por pagar os royalties para a União. Assim, a queda no pagamento por essas empresas justamente após o fim da presunção da boa-fé sinaliza diminuição na quantidade de ouro ilegal que entrou no mercado legal, segundo observadores do mercado.

De acordo com o Instituto Escolhas, em 2023 os garimpeiros registraram 14 toneladas a menos do que no ano anterior e, entre janeiro e julho de 2024, mais de 15 mil toneladas a menos em relação ao mesmo período de 2022 (queda de 84%). Estima-se que, antes do fim da presunção da boa-fé, metade do ouro comercializado no Brasil tinha origem ilícita, índice que sofreu queda nos últimos dois anos, apesar de não haver cifras oficiais.

A queda de ouro ilegal no mercado formal também provocou a mudança no destino das exportações brasileiras. A análise do Escolhas apontou que Índia, Emirados Árabes Unidos e Bélgica tiveram queda de 37%, 15% e 12%, respectivamente, nas compras de 2022 a 2023.

“Não dá para saber quanto disso foi para o mercado ilegal, mas o que a gente sabe, porque a gente vê na movimentação do mercado, é que uma parte deixou de existir simplesmente porque ficou mais caro fazer a lavagem do ouro”, diz Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas.

Um integrante da Polícia Federal que participa de operações aponta que, como os criminosos já não conseguem mais vender ouro de origem ilegal no mercado legal brasileiro, eles enviam o produto para países vizinhos, como Guiana, Peru e Venezuela. Em abril, por exemplo, a PF fez uma operação contra garimpeiros ilegais que atuavam próximo à fronteira com o Peru, na terra indígena do Vale do Javari (AM). Já no final do ano passado, policiais interceptaram um grupo especializado em transportar ouro ilegal para o exterior.

Em contrapartida, a produção de ouro no Peru tem crescido desde 2023, o que para quem acompanha o tema pode ser um indício de que o país tem recebido garimpeiros brasileiros ou nacionalizado o ouro extraído ilegalmente no Brasil. Em março, em um sinal de piora da situação no país vizinho, 13 trabalhadores de uma grande mineradora de ouro foram encontrados mortos em uma região marcada por conflitos envolvendo garimpeiros ilegais.

A legislação brasileira define que todo ouro lavrado por garimpeiros precisa ser vendido a distribuidoras de títulos e valores mobiliários, as chamadas DTVM. Mas até abril de 2023 essas instituições não eram obrigadas a checar a real origem do ouro comprado: a informação ficava a cargo do próprio garimpeiro, justamente partindo da presunção de que ele estaria agindo de boa-fé.

A falta de fiscalização, no entanto, abria portas para que criminosos usassem documentos oficiais de garimpeiros para vender o produto ilegal para as DTVM e assim colocar no mercado formal um produto ilícito.

Mas a partir de abril de 2023, quando Mendes suspendeu o dispositivo, essas instituições financeiras precisaram criar procedimentos para detectar a real origem do ouro comprado, como visitas aos garimpos fornecedores e comparação entre o teor do ouro vendido e o do geralmente extraído na região.

Já os garimpeiros ilegais, sem mais a possibilidade de vender seus produtos no mercado formal, ficaram com duas opções: parar de operar ou escoar o produto em um mercado paralelo controlado pelo crime organizado. Em um cenário de crescimento do preço do ouro desde 2024, a maioria teria optado pela segunda.

“O fim da presunção de boa-fé deu uma chacoalhada no mercado [ilegal], que deve estar tentando se estruturar novamente, mas ainda faltam outras iniciativas de governo para que de fato a gente consiga avançar nesse maior controle da cadeia do ouro no Brasil”, diz Frederico Bedran, presidente da comissão de direito minerário da OAB-DF.

“Repressão para um ouro a US$ 3.500 não adianta; a fiscalização chega ao garimpo e queima a máquina de R$ 1 milhão. Mas, em duas semanas, dependendo da região, quem extrai ilegalmente consegue retornar esse dinheiro e comprar outra”, acrescenta.

A alta do preço do ouro está atrelada ao aumento de incertezas econômicas globais, motivadas pelas tarifas de Donald Trump e conflitos geopolíticos. Nesses momentos, a procura pelo metal –um ativo seguro– tende a crescer, inclusive entre bancos centrais. Na segunda-feira (2), a onça de ouro era vendida a US$ 3.396, quase US$ 1.000 acima do que o registrado um ano antes.

A partir de conversas com agentes do mercado, Bedran estima que hoje quase 30% do ouro produzido no Brasil seja vendido no mercado paralelo. A fatia representa 80% de toda a produção de garimpeiros legais e ilegais e pequenas mineradoras. Em números registrados, o Brasil produziu, em 2023, 81 toneladas de ouro, considerando a extração por grandes mineradoras.

Apesar da dificuldade em monitorar o tamanho da produção que de fato vai parar no mercado paralelo, a fonte da Polícia Federal disse à Folha que a estimativa de Bedran é verídica. Segundo ela, o fim da presunção da boa-fé aliado a operações de combate proporcionaram a diminuição de extração ilegal em terras indígenas yanomami (AM e RR) e munduruku (PA), mas os mesmos garimpeiros migraram para outras regiões do país, como a Terra Indigena Sararé (MT).

Diante desse cenário, especialistas no tema tentam dar tração a um projeto de lei enviado pelo governo federal ao Congresso em 2023 para reformular o mercado de ouro no país. O principal mecanismo defendido por eles é a rastreabilidade do ouro em todas as fases da cadeia, da extração à venda final.

“A ideia é que seja como o blockchain das criptomoedas; você lança e não consegue alterar mais. Se o ouro sair de dentro do garimpo e ir para o mercado ilegal, quem vendeu vai continuar com aquele saldo na plataforma; ou seja, ele precisa estar com o saldo e o ouro na mão”, explica Gilson Camboim, presidente da Fecomin, federação que representa garimpeiros legais do Mato Grosso.

O desafio, no entanto, é evitar que os instrumentos de controle encareçam o ouro. “Se você começa a colocar muitas coisas que encarecem o processo, você abre uma porta para o mercado informal”, diz Camboim.

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