Quem viveu os últimos dias no Brasil provavelmente esbarrou em Marisa Maiô. A debochada apresentadora de programa de auditório usa um maiô preto enquanto entrevista personagens inusitados: um médium, uma mulher que ensina como trair o marido sem ser descoberta ou um homem com um tigre no colo.
Marisa alcançou milhões de visualizações em múltiplas plataformas. E há declarações de amor a ela em toda parte. Só que ela não existe. Foi criada por meio de inteligência artificial pelo artista Raony Phillips. Ele usou a plataforma Veo 3, recém-lançada pelo Google, para criar a apresentadora e seu programa a partir de comandos de texto.
Não foi fácil. Raony teve de tentar inúmeras vezes para atingir os resultados impactantes que conseguiu. Teve dificuldades inclusive de fazer a personagem falar português. Marisa é o primeiro exemplo no país de como a inteligência artificial pode revolucionar o audiovisual criando fenômenos de massa. Ela é ao mesmo tempo uma carta de amor à televisão e o arauto de que nada mais será como antes.
Raony não é novato em criações digitais. Antes de o Veo 3 ser lançado, ele já usava o game “The Sims” para fazer uma série cômica. Estava no lugar certo antes da hora. Com a IA, seu momento chegou.
A brincadeira, aliás, já se tornou coletiva. Outros vídeos de Marisa começaram a surgir, feitos por outras pessoas usando IA. A Band colocou no ar uma atriz interpretando Marisa Maiô na TV. Uma rede de varejo criou vídeos adicionais como propaganda. O fenômeno entrou no imaginário coletivo de forma irreversível.
Marisa nasceu porque a inteligência artificial democratiza habilidades antes restritas. Muita gente tem boas ideias para um desenho, mas não sabe desenhar. Tem boas ideias para uma música, mas não toca nenhum instrumento. Tem boas ideias para a TV, mas não tem um estúdio ou dinheiro para produzir.
Com seu trabalho, Raony mostra que tudo mudou. Usando uma IA, ele conseguiu renovar a velha fórmula dos programas de auditório que continuava igual havia décadas. Criou uma proposta nova, ousada e eletrizante.
Ele é o dono dos direitos autorais da sua criação? Se fosse nos EUA, a resposta seria não. Vídeos criados com IA não têm direitos autorais protegidos. No entanto, ele é o dono dos textos que colocou na boca de Marisa Maiô. Isso já protege seus vídeos. Uma dica de advogado para Raony: registre Marisa Maiô como uma marca. Tanto o nome quanto também sua imagem e atributos. Isso será importante se quiser dar continuidade comercial à criação.
Não é por acaso que esse primeiro personagem impactante do Veo 3 tenha surgido no Brasil. Pessoalmente, fico mais curioso por ver o que o Brasil pode fazer com a IA do que o que a IA pode fazer com o Brasil. Há problemas? Inúmeros. Tudo isso vai ser usado de forma maliciosa? Vai. Vai ter gente usando Marisa Maiô como um alerta para os perigos da IA? Sim. No futuro, é provável que a maioria dos vídeos consumidos por nós, humanos, seja feito por IA? Sim.
Mas, ao menos nestes primeiros dias, deixem a gente curtir a Marisa Maiô sem grilos. Ela é ótima. E um dos acontecimentos mais importantes do audiovisual brasileiro em muito tempo.
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