A USP encerrou na última sexta-feira (6) um concurso para que cerca de 70 pessoas apresentassem soluções para desafios estruturais do setor energético do Brasil. O projeto foi considerado satisfatório pelos organizadores.
Participaram do projeto o ONS (Operador Nacional do Sistema), a EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) e a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). A Cosan, apoiadora financeira do programa, também propôs um desafio.
Os participantes se dividiram em 15 grupos, sendo que cinco foram campeões e arrecadaram R$ 5.000 cada —eles tiveram apenas uma semana para apresentar soluções. O modelo de competição, conhecido como hackathon, é muito comum em universidades estrangeiras e no setor de tecnologia.
O ONS, por exemplo, queria saber se a relação entre temperatura e consumo de energia é, de fato, causal –ou seja, quando a temperatura aumenta, o consumo de energia também aumenta. À primeira vista, essa relação tende a ser diretamente proporcional devido ao acionamento de resfriadores e ar-condicionado, mas o ONS queria ter certeza disso.
Para responder à indagação, o grupo vencedor usou ferramentas de machine learning (aprendizado de máquina) para calcular a correlação com base em dados do próprio operador. A partir desse cruzamento de dados, constatou que há, de fato, maior consumo de energia durante o verão, principalmente durante a tarde, mas pontuou que o pico de carga elétrica ocorre com defasagem de uma a duas horas após o pico de irradiação solar, devido a condições físicas das construções.
O grupo ainda desenvolveu uma metodologia para que o operador conseguisse projetar a carga necessária de energia ao longo do dia.
Já a EPE pediu aos participantes formas de monitorar a geração em tempo real de painéis solares instalados em telhados de residências –chamados no setor de sistemas de geração distribuída. Em alguns casos, esse cálculo se torna inviável, devido à ausência de medidores dentro das próprias casas.
O grupo vencedor, formado por sócios da empresa de tecnologia Metenergy, criou um modelo, com base em dados de irradiação solar, temperatura, vento e umidade, para calcular a correlação entre a geração de eletricidade média dos painéis e específicas condições meteorológicas.
A partir do cruzamento de dados, o grupo propôs que, a partir da capacidade instalada de painéis solares no país, seria possível calcular a geração, quase que em tempo real, dos sistemas de geração distribuída. A análise foi feita para a cidade de São Paulo.
A CCEE, por sua vez, pediu soluções sobre como simplificar a abertura do mercado livre de energia para milhões de brasileiros. Hoje, podem fazer parte desse mercado apenas grandes consumidores de energia, de indústrias a médios estabelecimentos, como hospitais e padarias –que representam 40,4% do consumo de energia do país. A medida provisória apresentada pelo governo federal em maio, no entanto, abre caminho para que todos os consumidores, inclusive pessoas físicas, entrem neste mercado a partir de dezembro de 2027.
O grupo vencedor do desafio propôs a criação de um marketplace conectado ao Whatsapp capaz de, a partir de dados do consumidor, apontar quais são os melhores planos de energia elétrica para clientes residenciais. “Com isso, a gente passa para o cliente a opção de escolher qual é a melhor varejista para ele”, afirma Marco Kuzniec, um dos integrantes do grupo.
“Após esse aceite comercial entre cliente e varejista, haveria a simplificação de contratos, em que a gente traz a ideia de visual law, que é trazer elementos gráficos e visuais para o contrato para que a leitura seja muito mais fácil”, acrescenta Kuzniec.
Solução semelhante foi apresentada pelo grupo vencedor do desafio proposto pela Compass, subsidiária do grupo Cosan e maior distribuidora de gás natural do Brasil. A empresa queria encontrar formas de facilitar a venda do combustível no mercado livre de gás.
O grupo vencedor, formado por alunos do curso de engenharia de produção da USP, propôs a criação de uma plataforma para facilitar a negociação entre a Edge, comercializadora de gás da Compass, e empresas de pequeno e médio porte.
“Esse mercado está se expandindo para cada vez mais consumidores e, com base em dados da própria Edge, demora-se de 3 a 6 meses para fazer um contrato. Ou seja, quando a gente pensa que vai ter cada vez mais cliente entrando nesse mercado com volume menor, haveria limitações de tempo e de pessoal para fazer tantos contratos; com isso, a Edge precisa conseguir atender esses clientes, se não ela vai perder mercado”, diz Samir Monte Coelho Linhares, um dos integrantes do grupo.
Por fim, a Aneel pediu para os participantes resolverem um desafio relacionado a furtos de energia e locais com dificuldades de acesso por funcionários das distribuidoras.
O órgão queria, com base em dados públicos, desenvolver formas de identificar e classificar áreas onde é difícil mapear restrições operativas devido à alta criminalidade, informalidade, infraestrutura precária ou vulnerabilidade social. O desafio se limitava à área de concessão da CPFL Piratininga, que atende a Baixada Santista.
O grupo vencedor sobrepôs dados de restrições divulgadas pela CPFL Piratininga com dados de restrições dos Correios, além de boletins de ocorrência registrados na Secretaria de Segurança Pública de São Paulo e do atlas das periferias do Brasil. Ao final, o grupo detectou que 20% das restrições apontadas pela CPFL não casavam com as dos Correios, o que indica possíveis problemas na métrica da distribuidora.
O projeto foi organizado pelo Centro de Inovação para Transição Energética (Etic, na sigla em inglês), sob coordenação de Erik Eduardo Rego, ex-diretor da EPE.
“O desempenho foi excepcional, acima das minhas expectativas, não apenas pela qualidade técnica das soluções apresentadas, mas principalmente pela postura colaborativa, resiliência diante dos desafios e capacidade de aprendizado em ritmo acelerado”, afirma Rego. “Em apenas uma semana, os participantes mostraram domínio de conteúdos complexos, criatividade para pensar fora da caixa e maturidade para lidar com problemas reais do setor energético nacional.”
“O desafio mostrou que é possível unir academia, governo e empresas em prol da transição energética, e que o futuro da energia se constrói assim: com ciência, ousadia e colaboração”, acrescenta.