Em março, quando a Jordan Brand lançou o Air Jordan 4 Brick by Brick, uma colaboração com o atleta de BMX Nigel Sylvester, os tênis esgotaram quase instantaneamente, dobraram de valor no mercado de revenda e foram apontados por colecionadores como um dos principais candidatos ao título de “tênis do ano”.
Mas, para alguns fãs de sneakers, a diversão real começou dois meses depois, quando o Brick by Brick foi disponibilizado no Fortnite —como uma réplica digital completa que podia ser comprada por 1.000 “V-Bucks”, a moeda virtual do jogo, o equivalente a cerca de US$ 8,99 (R$ 55).
O Fortnite, jogo de tiro multiplayer online da Epic Games, lançou em novembro o Kicks, uma vertical dentro de seu popular mercado interno dedicada exclusivamente a calçados. Ao lado de modelos proprietários excêntricos, a loja virtual vende tênis da Nike, Jordan Brand, Adidas, Vans e Crocs, que podem ser usados pelos avatares dos jogadores e exibidos durante as partidas.
Para os gamers —especialmente os mais jovens— esses tênis digitais representam uma forma de autoexpressão criativa.
“A geração mais jovem vê o que acontece na internet como algo tão importante quanto o mundo offline”, afirmou Funs Jacobs, estrategista de tecnologia e cultura. “Para as gerações mais velhas, isso soa insano, mas é uma questão de identidade.”
Eles também movimentam muito dinheiro. Fortnite, um jogo gratuito, tem mais de 500 milhões de usuários registrados e uma média de mais de 2 milhões de jogadores ativos por dia. Seus US$ 5 bilhões (R$ 28 bilhões) de receita anual vêm quase inteiramente da venda de itens virtuais.
Embora a Epic não revele números exatos de vendas, um porta-voz da empresa afirmou que os jogadores já selecionaram e aplicaram os Kicks aos seus avatares quase 7 bilhões de vezes desde novembro.
Os tênis chegaram primeiro ao Fortnite como parte de ativações de outras marcas, como as colaborações do jogo com o músico Travis Scott, embaixador da Jordan Brand que possui diversos modelos populares da linha.
Kevin Durkin, diretor sênior de parcerias da Epic Games, explicou que o Kicks foi uma extensão natural dessa abordagem: “Nos últimos anos, trabalhamos com muitas dessas marcas e vestimos músicos, atletas e celebridades com calçados icônicos dentro do jogo. O próximo passo foi permitir que os próprios jogadores fizessem isso.”
A Epic e suas marcas parceiras dividem a receita das vendas dos tênis digitais. Mas os fabricantes de calçados têm uma motivação ainda mais estratégica. O interesse por tênis tem caído —a febre pelos modelos retrô que surgiu durante a pandemia vem esfriando.
Colocar os tênis no universo virtual é uma forma de reacender o desejo entre os consumidores mais jovens, que podem se tornar fãs fervorosos após verem os produtos em seu jogo favorito.
“O universo dos games se tornou um ponto de contato essencial para alcançar e influenciar a Geração Z e a Geração Alpha”, disse Thomas Wehner, chefe global de gaming da Adidas, ressaltando o desejo da marca de “se conectar de forma autêntica” com a “ampla comunidade, criatividade e relevância cultural” que jogos como Fortnite oferecem.
Alcançar públicos jovens é um desafio para as marcas por meios tradicionais. A publicidade em televisão, jornais e revistas raramente os atinge, o que leva as empresas a buscarem espaços nas redes sociais e nos videogames.
“Parcerias com a Epic e o Fortnite para lançar o Kicks nos permite alcançar a próxima geração de atletas onde quer que estejam — nos espaços físicos e virtuais”, disse Nikhil Pandit, diretor global de parcerias em jogos da Nike.
O mercado de tênis é fortemente impulsionado pela nostalgia: fãs que cresceram assistindo Michael Jordan nos anos 1990 gastaram bilhões colecionando seus modelos clássicos.
Segundo a Nike, vender tênis dentro do Fortnite também é uma estratégia de longo prazo —a marca espera construir uma nostalgia futura entre os jogadores mais jovens, que um dia poderão querer comprar os modelos reais dos calçados que tiveram dentro do jogo.
Mas as marcas também já estão facilitando a compra dos tênis físicos para quem se interessa pelos digitais. Recentemente, a Nike passou a oferecer acesso antecipado a modelos cobiçados a clientes que compraram os tênis digitais, por meio de seu aplicativo próprio —facilitando transformar um cliente virtual em mais um sneakerhead da vida real.