Emissores de títulos de renda fixa que hoje são isentos de Impostos de Renda podem ter que pagar mais caro para se financiar se for adiante a proposta do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de tributar esses papéis. Eles passarão a competir com aqueles em que incide o imposto, como CDBs (certificados de depósito bancário) e títulos do Tesouro, e o investidor terá que ser mais criterioso na escolha.
A gama de empresas é ampla: vai de bancos (emissores, por exemplo, de LCI, LCA e LCD) a securitizadoras (CRI e CRA), passando por grandes companhias de infraestrutura (debêntures incentivadas).
Por exemplo, em maio, uma LCI a 96% do CDI equivalia a um retorno anual de 14%, segundo levantamento do C6 Bank. Enquanto um CDB a 102% do CDI rendia, considerando o IR, 12,28%.
No entanto, o aumento na taxa de retorno não teria que ser tão grande já que a alíquota, segundo o plano do governo, seria de 5%. Assim, eles seguiriam com uma vantagem tributária sobre outros investimentos de renda fixa —hoje, eles seguem a tabela regressiva, de 22,5% a 15%, mas, de acordo com a proposta do governo, podem ficar sujeitos a uma alíquota fixa de 17,5%.
“É provável que os emissores tenham que aumentar a remuneração desses títulos para compensar a perda do benefício fiscal, mas isso vai depender do apetite do mercado, e de quanto tempo essa fase de transição durar”, diz Carol Stange, planejadora financeira.
José Victor Cassiolato, estrategista da Victrix, também vê como efeito mais provável o aumento nas taxas de remuneração.
“O que o mercado espera é que os ativos isentos se tornem mais competitivos em termos de taxa, mas uma parcela dos investidores pode acabar migrando para CDBs, especialmente se as emissões passarem a oferecer prêmios superiores”, diz Cassiolato.
Para o planejador financeiro Marlon Glaciano o mercado se ajustará rapidamente ao fim das isenções.
“É natural que as novas emissões tragam juros mais altos para compensar a mordida do imposto. Na prática, esses ativos, que hoje se destacam pela vantagem fiscal, passarão a disputar espaço de igual para igual com CDBs, debêntures não isentas e fundos de crédito privado”, diz Glaciano.
Segundo a proposta apresentada por Haddad no último domingo (9), perderão a isenção todos os títulos isentos emitidos a partir de janeiro de 2026. São eles: letras de crédito, letras hipotecárias, CDA (Certificado de Depósito Agropecuário), WA (Warrant Agropecuário), CDCA (Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio), CPR (Cédula de Produto Rural), FII (Fundos de Investimento Imobiliário), Fiagro (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais), LIG (letras imobiliárias), e debêntures incentivadas.
“O problema é outro. Essa atitude do governo mostra que ele só tem um sentido, que é o da taxação. Não se fala em cortes de despesas com a seriedade e emergência que deveria, o que aumenta o custo da economia”, diz Marcelo Castro, sócio-diretor da Iepê Investimentos.
Entenda o que são
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LCI, LCA e LCD: letras de crédito emitidas por bancos para que eles financiaem os setores imobiliário, agro e desenvolvimento. São garantidas pelo FGC, em caso de calote. A remuneração pode ser prefixada (ex: 9% ao ano), pós-fixada (ex: 95% do CDI), ou híbrida (ex: IPCA + 5%).
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CRI e CRA: certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio, emitidos por securitizadoras, que compram dívidas de outras empresas e as reempacotam nesses títulos. O retorno também pode ser prefixado, pós-fixada ou híbrido.
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Debêntures Incentivadas: são títulos de dívidas emitidos por empresas que desenvolvem a infraestrutura do país, como rodovias e saneamento. A remuneração é prefixada ou híbrida (IPCA + taxa fixa).
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FII: fundo de investimento imobiliário, com cotas negociadas em Bolsa e pagamento de dividendos. Eles aplicam recursos em imóveis e ativos relacionados ao mercado imobiliário, como shoppings, escritórios, galpões logísticos, hotéis e títulos de crédito imobiliário.
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Fidc: fundo de investimento em direitos creditórios, que aplica em valores a receber.
À exceção do CRI (Certificado de Recebível Imobiliário), criado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), os demais investimentos isentos de Imposto de Renda foram criados em governos do PT (Partido dos Trabalhadores).
De acordo com especialistas, mesmo sem a isenção de IR, esses produtos podem seguir atrativos. No entanto, será necessária uma análise mais minuciosa por parte do investidor.
“O mercado financeiro azedou bastante e o governo tem que enxugar gastos de qualquer forma, mas falei com muita gente sobre a proposta e todos torceram o nariz. Estão matando a base de pequenos investimentos”, afirma Fabio Focaccia, CEO e sócio da Nello Investimentos.
O mercado também espera uma antecipação nas emissões para este ano. Da mesma forma, pode aumentar a procura de investidores pelos títulos isentos.
“Se os objetivos estão alinhados com o vencimento dos papéis hoje disponíveis no mercado e se encontra taxas interessantes, pode ser sim um bom momento para garantir a isenção antes que ela vá embora”, diz Carol.
Contudo, eles não são indicados a todos os perfis de investidores. Apesar de serem renda fixa, os produtos têm risco de crédito, especialmente os que não são emitidos por bancos —letras de crédito têm proteção do FGC (Fundo Garantidor de Créditos).
“Embora a tentação de correr para papéis antigos ainda isentos seja grande, é preciso cautela. O prêmio de risco e a adequação ao perfil de cada carteira seguem sendo fundamentais”, diz Glaciano.
Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), as medidas anunciadas pela Fazenda ainda carecem de detalhamento para uma análise mais aprofundada sobre os impactos ao mercado de capitais.
“Entre as mudanças já anunciadas, a tributação de LCIs e LCA segue em linha com uma defesa histórica da Associação, em favor da redução das assimetrias entre diferentes produtos de investimento”, disse a Anbima.
A entidade atribui à isenção das letras uma forte saída de dinheiro dos fundos de investimento, especialmente os de renda fixa.
“As informações divulgadas até agora evidenciam a adoção de medidas de caráter arrecadatório e de curto prazo. Elas não atingem o problema em si, que é estrutural e exige ações coordenadas de curto, médio e longo prazos. Reconhecemos a importância de abrir o debate sobre o equilíbrio fiscal e defendemos que o Brasil persiga uma melhor eficiência na arrecadação e uma gestão mais eficaz dos recursos públicos para conter a evolução dos gastos primários”, completa a associação.
“Esses papéis nunca deveriam ser isentos. Não faz sentido pagar IR numa ação da JBS e não na debênture da JBS”, diz Flávio Conde, diretor de renda variável da Levante Investimentos. “Vai explodir, todo mundo vai correr [para emitir]”, afirma Conde [depois da onda de emissoes].
Procurados, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco, XP, BTG e Santander disseram que não iriam comentar.
A Febraban não retornou até a última atualização desta reportagem.