O governo Lula (PT) deve propor travas à ampliação, pelos países do Mercosul, das listas de exceções à tarifa comum do bloco. O objetivo é evitar uma redução brusca de alíquotas, que prejudique produtores brasileiros.
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai fizeram um acordo em abril em torno de uma proposta para flexibilizar as regras do Mercosul e permitir que os países-membros reduzam parte de suas tarifas comerciais.
A decisão foi uma sinalização do bloco à equipe de Donald Trump, em meio às negociações para tentar reverter os impactos das taxas de importação anunciadas pelo republicano.
A proposta acertada em abril, durante reunião de chanceleres do Mercosul em Buenos Aires, previa a inclusão de 50 códigos adicionais de produtos na chamada Letec (Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum).
O bloco adota um imposto de importação comum, mas na prática cada país tem uma lista de exceções que permite adotar tarifas diferentes, com maior flexibilidade. As exceções podem ser de alíquotas inferiores ou superiores às da TEC (Tarifa Externa Comum), mas não podem ultrapassar os níveis acordados na OMC (Organização Mundial do Comércio).
Apesar de ter havido concordância entre os membros do Mercosul sobre a ampliação da Letec, há divergências em relação a como o processo deve ocorrer.
A principal preocupação no governo Lula é uma redução aguda de tarifas dos demais sócios em setores importantes para a indústria nacional, que significaria uma perda de mercado para produtos brasileiros.
Para evitar esses prejuízos, segundo interlocutores ouvidos pela Folha, a proposta que o Brasil apresentará no Mercosul deve prever um poder de veto de qualquer sócio a reduções tarifárias que sejam realizadas com base na atual extensão da Letec.
Outros dispositivos da proposta brasileira devem proibir que os cortes tarifários sejam excessivamente concentrados em um determinado setor econômico. O objetivo é que eventuais reduções do imposto sejam diluídas em diferentes segmentos, para evitar que uma determinada indústria brasileira sofra prejuízos excessivos com a abertura comercial dos demais membros do Mercosul.
As travas propostas no anteprojeto brasileiro contrastam com o modelo defendido pela Argentina. Poucas semanas depois da reunião de chanceleres de abril, Buenos Aires defendeu que os países do Mercosul tivessem autonomia total para definir como aplicariam seus cortes tarifários.
O governo de Javier Milei, que recebeu o apoio de Uruguai e Paraguai, também entende que a ampliação da Letec nos casos do Brasil e da Argentina —as maiores economias do Mercosul— deve valer até o final de 2028. O governo Lula, por sua vez, quer tratar a situação como uma autorização excepcional, com prazo até dezembro de 2027.
Técnicos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai devem se reunir novamente em Buenos Aires nesta semana para tentar fechar um acordo entre as duas propostas que estão sobre a mesa.
A concordância com uma Letec ampliada ocorreu dias depois de Trump impor tarifas a todos os parceiros comerciais dos americanos. Os membros do Mercosul foram atingidos por uma alíquota de 10%.
Desde então, diferentes governos negociam com Washington para conseguir reduzir as barreiras impostas pelo americano. Com a ampliação da Letec, os países do Mercosul terão mais liberdade para reduzir suas tarifas durante essas tratativas.
A decisão de ampliar a lista de exceções da tarifa comum é particularmente importante para a Argentina de Javier Milei, que busca aprofundar seu relacionamento comercial com os EUA.
Para o governo Milei, essa flexibilidade confere ao país uma margem de manobra para negociar algum tipo de entendimento com Washington.
O argentino chegou a defender um acordo de livre comércio com os EUA, mas recuou diante da falta de interesse da gestão Trump e da impossibilidade de negociar um amplo tratado do tipo sem anuência dos demais integrantes do Mercosul.
No caso do Brasil, as conversas com os EUA ocorrem em duas frentes. Em uma, assessores de Lula tentam convencer os americanos a reabrir cotas de importação para aço e alumínio, itens afetados por uma tarifa de 25% anunciada por Trump em fevereiro. A alíquota foi posteriormente elevada para 50%.
Em outra, auxiliares do petista tratam com o governo Trump sobre queixas específicas, como a diferença de impostos dos dois países para importação de etanol. Enquanto o Brasil tem uma tarifa de 18%, os EUA aplicam um índice de 2,5% —a diferença é frequentemente citada por Washington como exemplo de tratamento injusto.
Atualmente, o Brasil está autorizado a adotar tarifas diferentes para até 100 códigos no âmbito da Letec. Fazem parte da lista em vigor produtos como azeites de oliva (com tarifa zerada, em comparação a uma TEC de 9%), absorventes e marca-passos.