Para Zeina Latif, sócia da Gibraltar Consulting e ex-economista chefe da XP, candidatos à Presidência no próximo ano devem se espelhar no líder argentino, Javier Milei, para levar a agenda de corte de gastos ao debate eleitoral.
Caso contrário, as condições políticas para aprovar uma reforma estruturante no fiscal do Brasil não serão satisfatórias, afirmou ela em evento da Moody’s nesta terça-feira (10).
Eleito em 2023, Milei tem feito cortes na máquina pública com uma “motosserra”, como ele próprio se refere. O saneamento das contas do país fez a inflação cair de mais de 210% ao ano, antes da posse do ultra-liberal, para os atuais 47,3%. Por outro lado, levou a uma deterioração do clima social, já que os cortes empurraram milhares de argentinos ao desemprego e à fome.
A defesa de Latif —e de vários outros economistas— é por uma discussão que coloque o corte de gastos em foco, visando um equilíbrio mais duradouro e sustentável das contas públicas. Nesse sentido, as eleições do próximo ano podem ser um ponto de virada.
Para ela, o governo federal hoje está diante de um Orçamento rígido, “no qual há espaço para cortes, mas não muito”, e com pouco capital político a essa altura do mandato para passar medidas de impacto no Congresso Nacional.
“Vejo razões para esperar uma renovação política. A questão é o quanto as coisas podem mudar, e isso dependerá da qualidade do debate durante a campanha. O próximo presidente, mesmo que tenha enorme capital político, terá de negociar junto aos outros Poderes, seja pedindo uma nova exclusão dos precatórios [dívidas decorrentes de sentenças judiciais], seja reduzindo a meta fiscal”, afirmou.
“E, em troca, ele terá de propor reformas estruturais. Não dá para pedir para flexibilizar o Orçamento sem um esforço de contrapartida.”
A análise segue a esteira da crise do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), cujo aumento proposto no mês de abril visava aumentar a arrecadação para fechar as contas do ano. A medida gerou reflexos políticos na política, bate-cabeça entre ministros e até um mal-estar com o BC (Banco Central), o que levou a recuos e reformulações na proposta.
No último domingo, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) se reuniu com líderes do Congresso para negociar um novo pacote, que, inicialmente, prevê apenas medidas pelo lado da ampliação da receita. Entre os ajustes, estão: o aumento da taxação de apostas esportivas, mudança na tributação de instituições financeiras e a cobrança de Imposto de Renda de 5% sobre títulos atualmente isentos, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito Agrícola).
O governo também vai apresentar um projeto de lei complementar para realizar um corte estimado em 10% em isenções fiscais, cujo modelo ainda será definido em discussão com o Congresso.
Propostas para o reduzir as despesas de forma estrutural serão discutidas numa nova reunião. Haddad não detalhou quais são as medidas nessa discussão, mas ponderou que as iniciativas têm sido discutidas com o Congresso e outras já estão em tramitação, incluindo o projeto do supersalários e do aperto na previdência dos militares.
“O ambiente das eleições será do governo chutando a lata e tentando aprovar o pacote com medidas aqui e ali. E o Congresso, de alguma forma, aprovará esse pacote, porque, caso contrário, haverá um apagão orçamentário. O Congresso não quer ser responsável por essa situação, especialmente porque ele aprovou todas as medidas de aumento de gastos no passado, então ele é parte do problema também”, avalia Latif.
O risco de um apagão foi admitido pelo secretário de Orçamento Federal do Ministério do Planejamento, Clayton Montes, durante a apresentação do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) em abril.
A partir de 2027, os precatórios entram no limite de gastos do arcabouço fiscal, como previsto pelas regras atuais. Com isso, boa parte do espaço destinado a despesas não obrigatórias —hoje cerca de 10% do Orçamento— terá de ser enxugado, e o que sobrar ainda será repartido com emendas parlamentares. “Para 2027, o número é bastante comprometedor. Já comprometeria a realização de políticas públicas. O valor não comporta todas as necessidades do Poder Executivo”, disse Montes.
Diante do cenário, Latif vê uma notícia ruim e duas boas. “A ruim é óbvia: não há dinheiro”, diz.
“Já as boas podem não ser das mais apaixonantes no curto prazo, mas são importantes no médio e longo prazos. A primeira é que o fardo dessa conta está vindo para o governo atual, já que antes costumava ser repassado para o próximo governo. E a segunda: essa agenda, antes restrita aos economistas, agora está pautando o Congresso. É um debate mais refrescante que está infectando o ambiente político.”