A japonesa Marelli, uma das maiores fornecedoras de autopeças do mundo, entrou com pedido de recuperação judicial nos EUA enquanto busca um alívio em uma disputa de meses sobre seu futuro, envolvendo bancos, o gigante de private equity KKR e importantes grupos de dívidas em dificuldades.
A companhia entrou com pedido de Chapter 11 no estado de Delaware. A medida, que lhe dá tempo para se reorganizar, envolve financiamento ponte de credores estrangeiros liderados pelo fundo de hedge Strategic Value Partners (SVP), que está em posição privilegiada para assumir o grupo endividado, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.
“Após uma análise cuidadosa das alternativas estratégicas da empresa, determinamos que entrar no processo do Capítulo 11 é o melhor caminho para fortalecer o balanço da Marelli, convertendo dívida em capital próprio, enquanto garantimos que continuemos operando normalmente”, afirmou o CEO da Marelli, David Slump.
A empresa disse que recebeu um compromisso de US$ 1,1 bilhão (R$ 6,1 bilhões) em financiamento de devedor em posse de seus credores e que eles assumiriam a propriedade do negócio após a saída do pedido de recuperação judicial, sujeito a um processo de oferta superior de 45 dias.
Essa janela pode permitir que o fornecedor automotivo indiano Samvardhana Motherson Group —outro credor da empresa— faça um novo esforço financeiro. Pessoas familiarizadas com a negociação sugerem que o grupo da Índia está considerando tal movimento.
A decisão de buscar proteção judicial encerra o mais recente capítulo de um dos negócios de private equity mais contenciosos, caros e publicamente sensíveis da história corporativa japonesa. A situação lançou uma sombra sobre a proprietária da Marelli, a KKR, que tem buscado um comprador para o grupo problemático, e o resto da indústria.
A presença dos fundos de dívida em dificuldades, que incluem a Fortress e a coreana MBK, e o fato de que isso se estendeu aos tribunais dos EUA, tornou isso um confronto “sem precedentes”, segundo advogados e banqueiros em Tóquio.
A Marelli foi criada em 2019 após a fabricante japonesa de autopeças da KKR, Calsonic Kansei, adquirir a Magneti Marelli. A Calsonic Kansei acumulou 1,1 trilhão de ienes (US$ 7,6 bilhões) em dívidas, e cerca de 700 bilhões de ienes foram usados para financiar a compra.
A empresa já havia passado por uma grande reestruturação de dívida no Japão em 2022, quando sofreu cortes de quase 40%, depois que as receitas despencaram durante a pandemia de coronavírus. A KKR cancelou cerca de US$ 2 bilhões e injetou mais US$ 650 milhões.
A primeira reestruturação forçou a Marelli a tomar decisões dolorosas que reduziram custos e melhoraram a eficiência. Mas essas deixaram-na vulnerável a uma súbita reversão de fortuna, quando clientes-chave como Nissan e Stellantis começaram a enfrentar dificuldades.
A situação permitiu a entrada de investidores de dívida em dificuldades e preparou o cenário para a luta atual. As negociações com credores têm ocorrido há meses, com a Marelli sendo forçada a rolar dívidas enquanto buscava mais injeções de caixa.
Os credores estrangeiros, que controlam 50% da dívida, incluem o Deutsche Bank e são liderados pela SVP. Eles pressionaram por várias soluções, incluindo o fornecimento de fundos se seus empréstimos novos e antigos fossem priorizados em relação a outras dívidas.
Essas abordagens foram rejeitadas enquanto a KKR e os bancos japoneses, liderados pelo Mizuho, buscavam um comprador estratégico para a empresa. Eles estavam conscientes, dizem pessoas familiarizadas com o assunto, de que as percepções públicas poderiam se voltar contra eles se a empresa ficasse em dificuldades.
O Mizuho, também fortemente exposto à Nissan, estava ansioso para encontrar um comprador estratégico, enquanto a KKR buscava uma saída que ajudasse a reparar parte dos danos causados à sua reputação no Japão.
A Motherson eventualmente fez uma “oferta firme” em maio, apoiada por várias grandes montadoras, cujas cartas foram vistas pelo Financial Times.
Em resposta à oferta da Motherson, a SVP aumentou sua própria oferta várias vezes —incluindo os componentes de caixa e dívida— eventualmente atingindo um nível onde outros credores, incluindo o Mizuho, estavam inclinados a fornecer apoio. Espera-se que Mizuho, SVP e os outros credores continuem as negociações nas próximas semanas.
Mizuho, KKR, Motherson e o consórcio estrangeiro se recusaram a comentar.