Após uma série de idas e vindas, o governo federal publicou uma medida provisória nesta semana apresentando um conjunto de novas medidas para compensar um aumento menor do IOF (em relação à majoração anunciada por decreto há algumas semanas). A despeito disso, o Congresso sinalizou que irá pautar na semana que vem a votação de um projeto de decreto legislativo (PDL) para sustar a elevação do IOF.
Em meio a esse clima conflagrado, vários congressistas têm justificado essa postura argumentando que não vão aceitar mais aumento de carga tributária e que o Executivo deveria “cortar na própria carne”, reduzindo despesas. Bem, é importante lembrar, em primeiro lugar, que o governo anunciou um bloqueio/congelamento de despesas bastante expressivo, de R$ 31 bilhões em maio, para viabilizar o cumprimento das metas fiscais deste ano.
Também é importante assinalar que, embora a arrecadação bruta federal tenha subido de 2023 para 2024, atingido 22,8% do PIB, ela se situou em um nível semelhante àquele de 2006-10 (e abaixo dos 23% de 2022). Contudo, a parcela que sobra para o governo federal caiu de 19,1% em 2006-10 para 18,4% do PIB em 2024, já que os repasses para estados e municípios se elevaram na mesma magnitude (refletindo, entre outras coisas, decisões tomadas pelo Congresso de elevar as transferências para os municípios em 2007, 2014 e 2021).
No final de 2007, o Congresso extinguiu a CPMF (que arrecadava cerca de 1,2% do PIB), mas não indicou nenhuma compensação para isso, correspondendo ao primeiro grande desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal (algo que aconteceria com frequência dali em diante).
Do lado da despesa, em 2006-10 o gasto da União foi de 17,2% do PIB, valor que saltou para 18,8% em 2024 (elevação de 1,6 p.p.). Dessa alta de 1,6 p.p., 0,2 p.p. refletiu aumentos de despesas que na verdade são transferências para os estados e municípios (sobretudo pela decisão do Congresso, em 2020, de quase triplicar os valores do Fundeb de 2021 em diante). Outro 0,4 p.p. do PIB decorreu do aumento expressivo dos gastos com emendas parlamentares (incluindo as emendas Pix, que são repasses para municípios).
No final de 2023, contrariando o Ministério da Fazenda, o Congresso não somente prorrogou a desoneração da folha de pagamentos até 2027 como estendeu sua abrangência para municípios pequenos —medida que gerou uma renúncia de receita de cerca de R$ 30 bilhões em 2024.
O STF determinou que o Congresso aprovasse medidas compensatórias (respeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal), mas o que foi aprovado pelos congressistas levantou, pontualmente, apenas R$ 9,4 bilhões em 2024 e não irá arrecadar quase nada em 2025-27 (período ao longo do qual essa medida deverá custar cerca de R$ 35 bilhões).
O governo federal tentou encerrar o Perse em 2024, já que essa desoneração emergencial criada na pandemia para o setor de eventos não fazia mais sentido, mas o Congresso não aprovou isso, limitando-se apenas a reduzir a abrangência dessa renúncia (que custou R$ 18 bilhões em 2024).
Portanto, o Congresso Nacional brasileiro também tem grande responsabilidade pelo atual quadro ainda estruturalmente deficitário das contas públicas. Já que os congressistas vêm dizendo que não aceitam mais aumento da carga tributária e que apoiam um ajuste fiscal estrutural, que tal também cortarem na “própria carne”? Reduzir os gastos com emendas parlamentares, dos atuais R$ 50 bilhões por ano para o nível médio real observado em 2015-19 (R$ 9,3 bilhões, ou quase R$ 16 milhões por deputado/senador), geraria uma economia anual de mais de R$ 40 bilhões. Não resolve, mas ajuda bastante, muito mais do que uma reforma administrativa (que também é necessária).