Desde que o novo Censo mostrou que os evangélicos representam 26,9% da população com dez anos ou mais, surgiram muitas reportagens e análises tentando explicar o tal “crescimento mais lento” do grupo. A surpresa é compreensível: havia um discurso instalado há anos de que os evangélicos ultrapassariam em breve os católicos e se tornariam maioria. Mas talvez seja o caso de questionar menos o ritmo atual e mais a premissa dessas expectativas.
A narrativa da “inevitável maioria evangélica” não nasceu dos dados mais recentes, e sim de uma projeção linear que já circulava desde a década passada, segundo a qual bastaria extrapolar o crescimento acelerado de décadas anteriores para prever um país majoritariamente evangélico. Essas previsões foram absorvidas com facilidade pelo debate público e amplificadas pela presença crente nas redes sociais. Como mostrou a jornalista Anna Virginia Balloussier, o evangelicalismo brasileiro é altamente vocal e bem organizado nos ambientes digitais, o que reforça a percepção de um avanço irreversível. Mas um campo religioso mais presente nas redes não é necessariamente um campo em crescimento constante. O alcance simbólico não se confunde com força demográfica.
Na economia, a questão da formação de expectativas foi enfrentada com profundidade. Modelos clássicos de expectativas adaptativas, como os de Friedman, mostravam que agentes costumam projetar o futuro com base no comportamento recente das variáveis. Se algo cresce a uma certa taxa, a tendência intuitiva é supor que continuará a crescer assim. Já as críticas de Lucas e a teoria das expectativas racionais chamaram atenção para um problema: quando o ambiente institucional ou informacional muda, ou quando há resposta estratégica dos demais agentes, simplesmente prolongar o padrão passado gera previsões ruins. As expectativas precisam se ajustar.
No caso do crescimento evangélico no Brasil, o discurso de inevitabilidade nasceu exatamente de uma expectativa adaptativa mal calibrada. O forte crescimento de décadas anteriores — impulsionado pela urbanização e por um campo evangélico dinâmico — foi automaticamente extrapolado como tendência permanente. Só que o campo religioso é, por definição, sujeito a choques culturais, políticos e institucionais. Mesmo em fenômenos econômicos, trajetórias raramente se mantêm estáveis em contextos sociais complexos. No caso das religiões, isso é ainda mais verdadeiro: movimentos geram contra-movimentos, e instituições aprendem e reagem.
O que o Censo revelou, portanto, não foi uma reversão ou um freio repentino, mas um processo de acomodação natural. Paul Freston, sociólogo que há anos estuda o tema, defende justamente essa ideia: devemos esperar que o percentual de evangélicos tenda a se estabilizar em torno de um terço da população, algo que é consistente com padrões históricos e com a capacidade de resposta das instituições concorrentes. A história da Reforma oferece uma boa ilustração. Se o crescimento protestante europeu tivesse seguido seu impulso inicial de modo linear, o continente inteiro seria protestante hoje. Mas a Contra-Reforma católica reagiu, criou novas instituições e reconquistou terreno. É um lembrete de que instituições se adaptam e que movimentos sociais não evoluem em linha reta.
No caso brasileiro, o catolicismo também vem se reorganizando. Além disso, outros segmentos religiosos e a própria parcela dos sem religião também desempenham papéis relevantes. Tudo isso sugere um cenário de competição e adaptação, não de marcha unidirecional.
Por isso, antes de projetarmos novas datas para a suposta maioria evangélica, talvez devêssemos revisitar as bases das projeções passadas. Expectativas mal calibradas, quando amplificadas por discursos públicos e pelas redes, moldam percepções sociais e até influenciam decisões políticas. Um debate mais rigoroso sobre a trajetória da religião no Brasil começa por aí: com menos pressa em anunciar futuros inevitáveis e mais atenção ao que os dados e a história realmente nos dizem.