O governo Lula (PT) prevê arrecadar mais R$ 10,5 bilhões em 2025 e R$ 20,9 bilhões em 2026 com a medida provisória que aumenta impostos sobre diversas operações financeiras. A estimativa foi feita pelo Ministério da Fazenda.
A estimativa de receita para este ano é menor porque a cobrança de IR (Imposto de Renda) sobre aplicações financeiras hoje isentas só começa a valer em 2026.
A medida enfrenta grande resistência no Congresso e no empresariado, mas o governo insistiu na publicação do texto. O pacote tem efeito imediato, mas ainda precisa ser aprovado pela Câmara e pelo Senado.
Para 2025, o governo espera arrecadar R$ 10 bilhões com a aplicação de restrições à compensação de tributos administrados pela Receita, R$ 284,94 milhões com o aumento da taxação de apostas esportivas e R$ 263,07 milhões com a mudança na alíquota da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido).
No ano que vem, a cobrança de IR sobre aplicações atualmente isentas, como LCIs (Letras de Crédito Imobiliário) e LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio), deve render ao governo R$ 2,6 bilhões, segundo os cálculos da Fazenda.
De acordo com técnicos da Fazenda, a medida tem como objetivo harmonizar esses instrumentos com outros investimentos aos quais são aplicadas cobranças maiores. O discurso da pasta, no entanto, é que esses papeis continuarão sendo incentivados por receberem um percentual menor.
O aumento da alíquota de tributação sobre JCP (Juros sobre Capital Próprio), de 15% para 20%, resultaria em uma arrecadação adicional de R$ 4,99 bilhões em 2026. A taxação de bets, de 12% para 18% sobre a arrecadação das casas (descontado o valor devolvido em prêmios), renderia R$ 1,7 bilhão, e a arrecadação adicional com as mudanças na CSLL chegaria a R$ 1,58 bilhão, além de outros R$ 10 bilhões com a compensação de tributos administrados pela Receita.
O governo também estima arrecadar mais R$ 11,9 bilhões em 2027 (com a tributação de títulos e de bets, a cobrança adicional de CSLL e o aumento da alíquota sobre a JCP). Em 2028, seriam R$ 9,2 bilhões a mais (com títulos e JCP).
A maior fatia da arrecadação nos dois primeiros anos, portanto, viria de limitações à compensação tributária, em situações que o Ministério da Fazenda descreve como indevidas. Por meio da compensação tributária, as empresas pagam tributos devidos com créditos tributários que têm a receber.
Como mostrou a Folha, essa medida nem chegou a ser discutida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na reunião com a cúpula do Congresso no domingo (8).
A MP acrescenta dois novos entraves à compensação de crédito tributário pela empresas: 1) quando não há documentação que comprove ter havido, anteriormente, o pagamento do imposto correspondente; e 2) quando o crédito não guarda relação com a atividade do contribuinte nos casos da cobrança do PIS e Cofins pelo sistemática de regime não cumulativo.
Um técnico do Ministério da Fazenda explicou que a medida tem o objetivo de coibir casos em que a empresa usa, por exemplo, um crédito de um benefício tributário dado ao leite para compensar um crédito na construção civil. Uma das possibilidades é impor uma penalidade.
De acordo com o governo, a medida visa a garantir que os auditores possam cobrar de forma mais rápida as compensações tributárias fraudulentas. A compensação poderá continuar a ser feita, mas será interpretada pelo sistema como indevida nesses casos.
Hoje, em situações desse tipo, o Fisco precisa entrar em litígio com as empresas para tentar cobrar os débitos que de fato não foram pagos. Por meio da compensação tributária, as empresas pagam tributos devidos com créditos tributários que têm a receber.
A inclusão da medida no pacote provocou reação. “O tema promete, sem dúvida, muitas disputas judiciais”, escreveu o tributarista Luiz Roberto Peroba, do escritório de advocacia Pinheiro Neto, na manhã desta quinta-feira (12), na sua conta da rede X (antigo Twitter).
“O governo federal pode concordar ou discordar das compensações realizadas (e tem 5 anos para fazer isso em mecanismo próprio), mas não pode impedir sistemicamente a sua efetivação e o debate administrativo no Carf, sob pena de violação ao direito constitucional do contribuinte”, acrescentou ele ao fazer referência ao Carf, o tribunal administrativo que julga recursos dos contribuintes contra autuações da Receita.
Para o tributarista, às vésperas da implementação da reforma tributária do consumo, a medida causa bastante preocupação porque traz nova abordagem do governo “de, pouco a pouco, criar entraves ao mecanismo de compensação de tributos federais”.
O Powerpoint apresentado pelo ministro da Fazenda na reunião de domingo à noite com a cúpula do Congresso para discutir medidas fiscais incluiu na lista de propostas uma ação de aperfeiçoamento das regras de compensação de créditos tributários para evitar compensação abusiva.
A medida, porém, acabou não sendo debatida durante a reunião que durou quase cinco horas. Tampouco foi citada por Haddad nas entrevistas que concedeu após a reunião.
Segundo relatos da reunião de domingo, nenhuma liderança se interessou pelo tema, concentrando os debates no encontro em críticas ao decreto do IOF, medidas para reduzir o alcance da alta do imposto e propostas para garantir o cumprimento da meta fiscal deste ano ano.
A Fazenda também deve apresentar um projeto de lei que prevê um corte de isenções fiscais. O texto ainda não foi apresentado. Segundo Haddad, o objetivo é reduzir o gasto tributário “em torno de 5% dos R$ 800 bilhões” que o governo deixa de arrecadar atualmente.
Despesas
No lado das despesas, a medida do governo autorizou considerar, no cálculo para o gasto mínimo da educação, as despesas com bolsas de ensino —o que compreende o Pé de Meia, programa voltado a estudantes de Ensino Médio da rede pública estimado em R$ 12 bilhões ao ano. A iniciativa deve liberar espaço orçamentário.
O governo também endureceu as regras para concessões de benefícios previdenciários. Agora, somente pagamentos de até 30 dias podem ser feitos por análise meramente documental —o restante precisará passar por perícia (presencial ou via telemedicina).
Além disso, as despesas com o chamado seguro-defeso (pago a pescadores na época em que são proibidos exercer a atividade, para proteger a reprodução dos peixes) passam a ser limitadas pela verba definida em Orçamento a cada ano.
O governo também reforçou medidas para combater casas de apostas que operam sem autorização (por exemplo, obrigando provedores de internet a terem canal exclusivo com a agência reguladora para comunicar sobre bets ilegais, com o objetivo de derrubá-las).
Outra medida modifica funções gratificadas na Receita Federal, de forma a reestruturar o funcionamento do órgão. De acordo com técnicos, a medida tem como objetivo fortalecer as atividades e trazer benefícios para a conformidade dos contribuintes e, consequentemente, para o pagamento de impostos.
Veja ponto a ponto o que muda com a MP
RECEITAS:
COMPENSAÇÃO PREVIDENCIÁRIA
O que muda Criação de um teto para a compensação financeira que a União paga a estados e municípios pela incorporação de tempo de contribuição de servidores públicos ao regime geral da Previdência Social
BETS
- Como era Tributação de 12% sobre a arrecadação
- Como fica Tributação de 18% sobre a arrecadação (6% para a área da saúde e 12% para outras destinações)
INVESTIMENTOS ISENTOS
Caso de LCI (Letras de Crédito Imobiliário), LCA (Letras de Crédito do Agronegócio), CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio), debêntures incentivadas etc.
- Como era: Rendimentos eram isentos de Imposto de Renda
- Como fica: Rendimentos terão IR retido na fonte com alíquota de 5% (para títulos emitidos a partir de 1º de janeiro de 2026)
FUNDOS IMOBILIÁRIOS E FIAGROS
- Como era: Rendimentos eram isentos de Imposto de Renda
- Como fica: Rendimentos terão IR retido na fonte com alíquota de 5% (para títulos emitidos a partir de 1º de janeiro de 2026)
OUTROS INVESTIMENTOS
- Como era: Alíquota do IR variava de 15% a 22,5%, a depender do prazo da aplicação
- Como fica: Imposto de Renda será de 17,5%, independentemente do prazo
CRIPTOMOEDAS
- Como era: Movimentações mensais com criptomoedas eram isentas do Imposto de Renda até R$ 35 mil; acima disso, havia escalonamento de 15% a 22% sobre os ganhos
- Como fica: Ganhos líquidos com moedas e ativos virtuais, incluindo criptomoedas ficam sujeitas à alíquota de 17,5% no Imposto de Renda; é a primeira vez que esses ativos recebem uma tributação específica
CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)
- Como era: alíquota de 20% para bancos; de 15% para outras financeiras, fintechs em geral e seguradoras; e de 9% para bolsas, entidades de liquidação e compensação, outras entidades equiparadas a financeiras pelo BC, instituições de pagamento e empresas não-financeiras
- Como fica: alíquota de 20% para bancos, financeiras e capitalização; de 15% para demais instituições financeiras e de pagamentos, além de seguradoras; e de 9% para empresas não financeiras
DESPESAS:
SEGURO-DEFESO
Como era Pescados pedia benefício no sistema, sem mecanismo de controle; além disso, o Orçamento previa verba para pagar o benefício, mas o governo podia ampliar a despesa ao longo do ano
Como fica Registro do pescador precisa ser homologado pela prefeitura; governo cria controle de fluxo de caixa e não poderá aumentar o gasto além do estimado
PÉ-DE-MEIA
Como era Despesas com pagamento do programa não eram contabilizados para o cumprimento do piso de gastos com educação, equivalente a 18% da receita líquida de impostos
Como fica Gastos do programa passam a ser considerados para cumprir o piso, aliviando Orçamento em até R$ 12 bilhões
AUXÍLIO-DOENÇA
Como era Benefício podia ser pago por até 180 dias apenas com apresentação de atestado médico
Como fica Benefício está limitado a 30 dias caso tenha sido concedido a partir de atestado, com exigência de perícia presencial ou a distância para prazo maior
Colaborou Fábio Pupo