O preço do café em pó acumula alta de 82,24% nos últimos 12 meses, segundo a inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Só em maio, o aumento do produto foi de 4,59%.
A disparada, que representa a maior alta desde o início do Plano Real, afeta diretamente o bolso do consumidor nos supermercados e tem impactado os clubes de assinatura de café, serviço que entrega pacotes de grãos selecionados para os clientes todos os meses.
O Noete Café Clube, de Belo Horizonte (MG), afirma que precisou aumentar o preço das assinaturas em quase 50% nos últimos dois anos —reajuste que, ainda assim, foi abaixo da inflação sentida pela empresa no grão de café, de quase 150% no período.
O clube trabalha com pequenos lotes de produção limitada e diz que manter a qualidade com a oferta restrita é um dos maiores desafios.
“Está cada vez mais difícil conseguir bons cafés a preços que não sejam inviáveis. O preço subiu tanto que, às vezes, pequenos produtores não querem mais ter o custo e o esforço extra de percorrer aquele último cuidado e fazer um café fora da curva”, afirma a empresa.
No Moka Clube, pioneiro no setor de assinaturas e fundado em 2012, os valores também subiram, mas a base de assinantes cresceu, diz a empresa.
“Com o aumento do café, o valor do clube se tornou mais atrativo em relação a compras unitárias. E os clientes têm a garantia da qualidade, sem correr o risco de pagar caro por um café ruim no varejo”, diz a equipe.
Giuliana Bastos, consultora da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), diz que a demanda por clubes de assinatura cresceu após a pandemia, por fatores como o alta dos serviços de delivery, o entusiasmo por novas experiências e a possibilidade de descontos.
“É natural que os preços de todos os serviços, produtos e subprodutos de café passem por um ajuste, já que o custo da matéria-prima teve aumento extremamente expressivo. Nos últimos quatro anos, a matéria-prima aumentou 224%”, diz a consultora.
A disparada no valor do café é explicada por quebra de safra severa, provocada por eventos climáticos de 2023 e 2024, como queimadas no Sul de Minas Gerais, estiagens prolongadas e a influência do fenômeno El Niño.
O impacto afetou os principais produtores globais, como Brasil e Vietnã, e reduziu a oferta de café no mundo.
A ALTA DO CAFÉ VAI TER FIM?
Após tantos meses, há uma expectativa da indústria de que o ciclo de alta do preço do café possa estar perto do fim. Espera-se que as safras se recuperem e que o valor se estabilize a partir do segundo semestre deste ano.
O último levantamento de preços ao produtor do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), vinculado à USP (Universidade de São Paulo), aponta que, em maio, os preços do café arábica caíram 10,71%, e os do robusta, mais de 18%.
“Os valores do robusta recuaram com mais intensidade do que os do arábica, já que a colheita da primeira variedade está mais avançada. Além disso, a expectativa de uma safra maior de robusta reforça o movimento de desvalorização”, afirma a pesquisa.
Segundo Guilherme Moreira, coordenador do IPC/Fipe (Índice de Preços ao Consumidor no município de São Paulo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), a situação mostra desaceleração, mas sem sinal claro de reversão ou de queda nos preços.
“Na capital paulista, estamos falando de um aumento de quase 90% em 12 meses. Mesmo que haja variações menores agora, os preços seguem subindo”, afirma.
“Diferente de alimentos como alface ou tomate, que se recuperam rápido, o café tem um ciclo de recomposição muito longo. Leva tempo para que os cafezais afetados voltem a produzir. Mesmo com uma safra positiva neste ano, o impacto nos estoques e nos preços ainda será prolongado.”
Celírio Inácio, diretor executivo da Abic, entende que há um intervalo natural, de 15 a 25 dias, entre as negociações realizadas com o varejo e o efetivo impacto nas prateleiras para os consumidores. “Além disso, muitos supermercados ainda operam com estoques adquiridos a preços anteriores, mais elevados, o que mantém os preços ao consumidor pressionados no curto prazo”, explica.
Porém, o executivo já observa, no mercado de matéria-prima, uma possível janela de recuo nos preços impulsionada pela colheita em andamento e pelas boas condições climáticas.
“Caso as expectativas de uma safra mais otimista se confirmem e os preços no campo se estabilizem em patamares mais baixos, é possível vislumbrar uma tendência de redução nos preços ao consumidor nos próximos meses”, afirma.
CONSUMIDORES DE SUPERMERCADOS SÃO OS MAIS AFETADOS
Para o consumidor final, segundo Guilherme Moreira, os mais afetados são principalmente os que buscam o café em pó nos supermercados. No cálculo do IPC/Fipe, o preço do café solúvel subiu 46,69% nos últimos 12 meses, bem menor do que os 89,04% da versão em pó.
“No caso de uma padaria, o custo do pó de café não é tão relevante, porque é diluído, ou seja, o café muitas vezes é o atrativo para as pessoas comprarem outros produtos. O preço do café espresso não dobrou de preço do ano passado para cá, na maioria dos casos”, afirma Moreira.
“Mas não há um substituto para o café em pó. É um produto essencial, está na cesta básica, e provoca bastante memória de preço nos consumidores, assim como o pão francês, o leite, o arroz e o feijão. Isso significa que, se o preço sobre, as pessoas se assustam, porque sentem no bolso.”