/ Jun 15, 2025

Litigância surge como alternativa para conter aquecimento – 14/06/2025 – Candido Bracher

Com apenas um dia de diferença, em maio último, os Congressos do Brasil e dos EUA aprovaram medidas que comprometem seriamente os esforços para a proteção do meio ambiente e a redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE).

Ao ler as notícias, ocorreram-me as expressões “double whammy” (duplo golpe, na gíria americana) e a mais formal “to add insult over injury” (acrescer insulto à ferida). Talvez décadas convivendo com o idioma inglês no trabalho, em filmes e leituras tenham criado esse gatilho mental involuntário —não que isso abrandasse a constatação de um amigo poliglota: perdemos 10% do nosso QI ao nos expressarmos em outra língua.

Nos EUA, a Câmara dos Representantes aprovou por 215 a 214 votos o pacote orçamentário que encerra abruptamente os créditos fiscais para fontes de eletricidade de baixo carbono e reduz drasticamente os incentivos ao desenvolvimento de tecnologias verdes, fazendo despencar as ações das empresas do setor e alimentando receios de aumento nos preços de energia. O pacote, cujo nome oficial é —pasmem!— “One Big Beautiful Bill Act” (OBBBA, O Grande e Maravilhoso Projeto de Lei), ainda necessita do aval do Senado.

No Brasil, foi o Senado que aprovou o projeto de lei do licenciamento ambiental, que, com a correta justificativa de modernizar e flexibilizar o processo de aprovação de empreendimentos, incorporou dispositivos essencialmente políticos que terminam por fragilizá-lo a ponto de torná-lo ineficaz.

Entre eles, a permissão para que projetos de porte médio se iniciem por autodeclaração e um “jabuti” de última hora —a Licença Especial Ambiental— que permite o uso de recurso “potencialmente causador de significativa degradação” em projetos considerados prioritários pelo Conselho de Governo.

Ambas as aprovações, ainda preliminares, foram estopins de virulentos confrontos públicos. No Brasil, a ministra do Meio Ambiente Marina Silva foi desrespeitada em audiência no Senado. Nos EUA, houve troca de ofensas e ameaças entre o presidente e seu ex-braço direito, que se referiu ao OBBBA como “aberração repugnante”.

O leitor mais atento poderá estranhar que eu não tenha incluído entre as notícias negativas a autorização concedida pelo Ibama para que a Petrobras simule o resgate de animais na área da Foz do Amazonas — etapa necessária para a licença de prospecção.

Acredito ser papel do Ibama proceder à análise técnica rigorosa dos riscos ambientais decorrentes do empreendimento. Não se trata de tarefa simples: basta lembrar as enormes dificuldades no golfo do México, em 2010, onde o vazamento durou cinco meses a 1,5 km de profundidade. No caso em análise, o poço ficará a 2,8 km, com correntes ainda mais complexas. Ainda assim, é fundamental respeitar a governança e confiar na capacidade técnica do Ibama.

As razões para a oposição ao projeto são de caráter estratégico —a perda de prestígio da nossa diplomacia nas negociações para o estabelecimento de uma ordem global no ciclo de baixo carbono, da qual se esperam ganhos muito superiores ao país— e econômico: o risco de um projeto cujo retorno se dará mais de dez anos à frente, em um cenário provável de demanda e preço do petróleo em queda. A responsabilidade por avaliar esses riscos cabe ao Executivo, não ao Ibama.

Há ainda a possibilidade de que toda essa discussão seja em vão e não haja petróleo naquela área. A Guiana que hoje prospera com a exploração é a antiga Guiana Inglesa, a mais distante da região. Na Guiana Francesa, vizinha à Foz do Amazonas, a Total Energies encerrou as atividades sem encontrar petróleo.


Mas retornemos ao duplo impacto com que iniciamos. Ocorre-me que temos em português uma expressão muito mais pitoresca e adequada: “Além da queda, o coice”.

Pois bem, estatelado e escoiceado, resolvi ir à forra. Lembrei-me de outra expressão em inglês que contém a ideia de dualidade: “dual track” (abordagem paralela). É expressão comum no mercado financeiro, usada, por exemplo, quando uma empresa tenta levantar capital por dois caminhos alternativos e concomitantes: abertura de capital na Bolsa (IPO) e busca de investidor estratégico.

No combate ao aquecimento global, a abordagem paralela envolveria o caminho diplomático, que tem sido buscado com afinco, mas êxito apenas relativo desde a reunião Rio-92. Nessa via, busca-se o alinhamento de países ao compromisso de reduzir a zero as emissões de GEE. Um grande passo foi dado com o Acordo de Paris, há dez anos, mas desde então o progresso tem sido lento, com muitos países procrastinando a divulgação de suas NDCs (Contribuições Nacionalmente Definidas), além do revés sofrido com a decisão unilateral dos EUA —segundo maior emissor global— de se retirar do acordo.

O caminho paralelo a ser trilhado simultaneamente seria o da chamada “litigância climática”. Enquanto a diplomacia visa ao convencimento de nações, a litigância climática visaria às empresas emissoras. Dados de 2024 do Carbon Majors Database apontam serem apenas 57 as empresas responsáveis por 80% das emissões globais de GEE.

O potencial alcance dessa estratégia pode ser inferido a partir da “ordem executiva” recentemente emitida pelo Executivo americano, que considera as ações penais contra as empresas de petróleo uma “ameaça à segurança nacional”.

Em 2021, a Shell foi condenada na Holanda a reduzir em 45% suas emissões até 2030, em processo movido por organizações ambientais. A empresa recorreu, e a sentença foi anulada em novembro de 2024. São as razões para a anulação que alimentam minha esperança de que o caminho legal possa ser mais eficaz que o diplomático.

Essencialmente, o Tribunal de Apelações entendeu não haver base legal clara para definir um percentual exato de redução para uma empresa específica e, mais importante, julgou ser ineficaz a imposição de medidas restritivas nesse caso, pois outras empresas supririam o mercado, anulando o efeito global.

Esses argumentos cairiam por terra se fosse possível mover uma ação contra todas as 57 empresas simultaneamente. Sendo tão grande o risco que nos ameaça e tantos os cérebros e recursos aplicados no combate ao aquecimento, certamente haverá talento e criatividade jurídica capazes de engendrar tal estratégia.

A versão em nossa língua para o “dual track”, nesse caso, poderia ser uma expressão que todos conhecemos: “Se não vai por bem, vai por mal”.


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