Os bons resultados da colheita de uvas e o otimismo com os resultados da indústria e do enoturismo no Rio Grande do Sul indicam um momento de alívio para a Cooperativa Vinícola Aurora, após enfrentar dois anos de um escândalo trabalhista seguida por uma quebra de safra.
Entre dezembro de 2024 e março deste ano, os cooperados colheram 71,6 milhões de quilos de uva, registrando um aumento de 42,3% em relação a 2024. Esse foi o segundo maior resultado da história da cooperativa, atrás apenas dos 90 milhões de quilos colhidos em 2021.
Entretanto, o maior desafio aconteceu em fevereiro de 2023, quando uma operação resgatou 207 trabalhadores baianos mantidos em condições análogas à escravidão em uma pensão em Bento Gonçalves.
O caso veio a público após três pessoas conseguirem escapar do alojamento e denunciarem agressões físicas, jornadas exaustivas e fornecimento de alimentos estragados. Segundo os depoimentos, também eram impedidos de deixar o local sob ameaça de quebra contratual.
Os trabalhadores haviam sido contratados pela Fênix Prestação de Serviços e terceirizados para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton. A repercussão do caso resultou em uma série de medidas contra as produtoras, que enfrentaram boicotes de consumidores e supermercados, além da suspensão temporária da participação em feiras de exportação da ApexBrasil.
Em março daquele ano, as vinícolas assinaram um TAC (termo de ajuste de conduta) com o Ministério Público do Trabalho, comprometendo-se a pagar R$ 7 milhões em indenizações aos resgatados e a implementar medidas de fiscalização e conscientização. As empresas têm a responsabilidade legal de supervisionar as condições de alojamento, alimentação, saúde e segurança do trabalho, além de exigir que todos os contratados para a safra tenham registro em CLT.
De acordo com Renê Tonello, presidente da Cooperativa Aurora, a implementação das medidas acordadas ocorre sem dificuldades. Esta é a segunda safra com contratação 100% CLT.
“A gente tem uma auditoria externa que faz isso para nós e uma auditoria interna nossa, que são os nossos agrônomos”, diz. São oito profissionais distribuídos entre propriedades de 11 municípios. A Aurora também passou a promover duas reuniões anuais para verificar se os cooperados estão em dia com os termos do acordo.
Tonello diz que as vinícolas sofreram desgaste mesmo sem conhecimento direto do caso, por ter ocorrido em uma terceirizada, mas reconhece a corresponsabilidade da cooperativa. Logo após o escândalo, a Aurora publicou uma carta pedindo desculpas; entretanto, especialistas de gestão de crise criticaram as respostas imediatas das vinícolas ao caso.
Ele afirma que as novas regras substituíram um modelo antiquado de trabalho trazido pelos primeiros produtores que vieram da Europa no século 19.
“A imigração italiana está completando 150 anos e, até agora, havia aquele acordo verbal entre produtores, porque eram 10 ou 15 dias (de colheita)”, diz Tonello. “O pessoal, às vezes, eram produtores que vinham de outras localidades, saíam da propriedade deles para fazer a safra conosco aqui.”
A Aurora também intensificou o apoio aos cooperados na implementação de técnicas de modernização agrícola. A cooperativa realizou neste ano uma nova edição da Vitis Aurora, feira de inovação no campo que ocorre na cidade vizinha de Pinto Bandeira, onde foram apresentadas alternativas de colheita como debulhadoras de uvas, drones de pulverização e estações meteorológicas para controle das condições climáticas que podem alterar a qualidade do vinho.
Além disso, a Aurora também espera um aumento de visitantes no Vale dos Vinhedos neste ano.
A matriz da cooperativa, em Bento Gonçalves, está aberta à visitação e já recebeu cerca de 60 mil pessoas entre janeiro e abril. A expectativa é superar 2023, quando a sede registrou 260 mil visitantes. Em 2024, o número caiu para aproximadamente 180 mil, devido à tragédia climática de maio, praticamente impedindo o acesso de turistas de fora do estado até outubro.
A discussão sobre a implementação de um aeroporto internacional em Caxias do Sul é vista com otimismo e pode atrair mais visitantes para as cidades da região, que disputam público especialmente com Gramado e Canela. Além disso, pode ajudar a enfrentar o desafio logístico evidenciado pelo alagamento do aeroporto de Porto Alegre.
A curto prazo, outro ponto preocupa o setor: o acordo Mercosul – União Europeia. Segundo Raul Tonello, os rótulos brasileiros enfrentarão concorrência interna ainda mais acirrada, agora com vinhos franceses e italianos. Atualmente, a disputa pelo consumidor é principalmente com os vinhos da Argentina e do Chile.
O repórter Carlos Villela viajou a convite da Cooperativa Aurora.