/ Jun 17, 2025

Cumprir o arcabouço não basta para garantir solvência da dívida – 16/06/2025 – Cecilia Machado

O mais recente relatório de avaliação de receitas e despesas primárias trouxe estimativas bem mais realistas para o resultado fiscal do ano. Com o contingenciamento de R$ 21 bilhões proposto, deve ser possível alcançar um déficit de R$ 31 bilhões, ou 0,2% do PIB, o que está dentro da margem de tolerância da meta de resultado prometida, de equilíbrio entre receitas e despesas. Entretanto, cumprir o arcabouço não é mais condição suficiente para garantir solvência da dívida pública. E é isso o que preocupa.

Primeiro, há hoje diversos gastos que não estão incluídos na meta de resultado do arcabouço. Ficam de fora da meta, mas não deixam de ser gastos, como é o caso do valor dos precatórios que é abatido do objetivo fiscal. Quando esse valor é considerado, eleva o déficit para 0,6% do PIB, o que representa um resultado fiscal pior que o observado em 2024, um déficit de 0,4% do PIB.

Além disso, o resultado primário convencional ignora que parte importante da arrecadação vem de fatores não recorrentes e cíclicos, que deveriam ser expurgados de uma avaliação mais criteriosa do desempenho fiscal. Por exemplo, medidas pontuais, tópicas, tomadas pelos gestores da política fiscal para conjunturalmente equilibrar as finanças não refletem capacidade permanente de arrecadação. Uma métrica alternativa, o resultado primário estrutural, calculado pelo IFI, que neutraliza os impactos das flutuações do ciclo econômico e de eventos fiscais não recorrentes, mostra números mais preocupantes.

Apesar de o déficit primário convencional, que considera todos os eventos não recorrentes e cíclicos, ter caído de 2,4% do PIB, em 2023, para 0,4%, em 2024, o inverso aconteceu na apuração do déficit primário estrutural, que cresceu de 1,4% do PIB, em 2023, para 1,7%, em 2024. Ou seja, apesar de medidas pontuais sem impacto permanente terem tido sucesso em diminuir o déficit primário convencional, em termos estruturais, considerando o fluxo de receitas e despesas permanentes, a tendência é de agravamento dos desequilíbrios fiscais.

Há ainda vários outros mecanismos que permitem que gastos claramente primários sejam classificados como despesas financeiras. Esse artifício leva ao aumento de gastos sem a correspondente deterioração do déficit primário. Mas, independentemente da forma como são rotulados, influenciam negativamente a dinâmica da dívida pública. Como exemplos desses desembolsos financeiros temos o financiamento do Minha Casa, Minha Vida, do Fundo Clima e dos programas apoiados pelo BNDES. Em 2025, os desembolsos financeiros autorizados para esses três programas alcançaram R$ 74 bilhões —o que representa um aumento substancial em comparação a 2023, quando o orçamento autorizado para esses mesmos programas somava R$ 25 bilhões.

Quando muitos gastos ficam de fora, a meta de resultado primário deixa de ser indicador relevante de virtude fiscal e passa a ser um indicador duvidoso da solvência do governo. Partindo de 72% do PIB ao final de 2022, a dívida encontra-se hoje em 77%, as projeções indicam que ela deve seguir em trajetória ascendente nos próximos anos se nenhuma reforma mais estrutural for implementada.

O reequilíbrio das contas públicas deve começar por reformas que gerem efeitos continuados e permanentes no resultado primário, mas passa também pela definição de metas e objetivos completamente alinhados com a obtenção de uma solvência de longo prazo nas contas públicas. A aritmética da solvência não aceita exceções em lei.


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