O leilão de áreas para exploração de petróleo que o Brasil realiza nesta terça-feira (17) entrou no foco de organizações ambientalistas internacionais, que questionam a abertura de novas fronteiras petrolíferas, principalmente na amazônia, às vésperas da COP30, em Belém.
No leilão, a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) vai oferecer ao mercado 172 blocos exploratórios, incluindo regiões ainda sem atividade petrolífera, como as bacias da Foz do Amazonas e do Parecis, que engloba áreas da amazônia, do cerrado e do pantanal.
“É inacreditável que, em pleno ano de COP30 no Brasil, a ANP siga com intenções de esburacar a costa amazônica, ofertando 47 novos blocos na região”, disse, em nota divulgada nesta sexta-feira (13), a porta-voz de oceanos do Greenpeace Brasil, Mariana Andrade.
Além do Greenpeace, outras organizações se manifestaram na semana passada contra o leilão, como a WWF, a Urgewald, o Climainfo e o Instituto Internacional Arayara. Este último é autor de cinco ações judiciais tentando suspender a concessão de áreas.
Nelas, questiona a oferta de 117 blocos com aval ambiental vencendo um dia após o leilão, a falta de consulta a comunidades indígenas e tradicionais afetadas e a sobreposição de blocos com áreas de elevada sensibilidade ambiental.
O leilão marca o retorno de blocos na bacia da Foz do Amazonas, principal aposta de governo e petroleiras para repor reservas brasileiras após o esgotamento do pré-sal e maior foco de questionamentos por ONGs de defesa do meio ambiente.
A bacia é alvo de embate entre as áreas ambiental e energética do governo há meses, com divergências sobre a viabilidade da perfuração do primeiro poço exploratório, previsto pela Petrobras para o bloco 59, licitado em 2003.
“O Brasil quer um papel de líder na transição energética”, disse em entrevista na quinta (6) a diretora do Arayara, Nicole Oliveira. “Mas agora, não só está leiloando uma área gigante, como vem pressionando a área ambiental para licenciar blocos em áreas de alta sensibilidade ambiental sem estudos suficientes.”
O Arayara divulgou relatórios que mostram sobreposição dos blocos com áreas consideradas prioritárias para a preservação da biodiversidade na amazônia, no cerrado e no pantanal.
Na Foz do Amazonas, diz, 26 blocos estariam sobrepostos a áreas de compatibilidade muito baixa entre a preservação da biodiversidade e os impactos da indústria de petróleo e gás. O instituto diz ainda que 33 blocos estariam sobrepostos a áreas prioritárias para a preservação de recifes.
Na amazônia, continua, 17 blocos da bacia do Parecis impactariam 23 áreas prioritárias para a conservação de biodiversidade, segundo a ONG. Ao todo, diz, há sobreposição em uma área de 22,3 mil quilômetros quadrados. Nessa bacia, o instituto vê também áreas de conflito com seis terras indígenas.
Na bacia Potiguar, o instituto vê 13 dos 16 blocos oferecidos no leilão com sobreposição aos montes oceânicos Sirius e Guará e com o platô do Ceará, que “frequentemente abrigam ecossistemas únicos e biodiversidade endêmica”.
O MME (Ministério de Minas e Energia) afirmou em nota que todas as manifestações conjuntas que garantem o aval ambiental de blocos do leilão permanecem válidas. Disse ainda que não há sobreposições de blocos com terras indígenas e quilombolas e não há impedimentos ambientais para sua licitação.
“Os blocos ofertados cumprem rigorosamente os procedimentos estabelecidos pelas resoluções do CNPE [Conselho Nacional do Política Energética], pelas portarias da ANP e demais normativos aplicáveis. Trata-se de áreas que estão em oferta há quase cinco anos, e cuja avaliação ambiental prévia foi devidamente atestada nas manifestações conjuntas assinadas por MME e MMA, válidas para este ciclo”, disse a pasta.
Em janeiro, um grupo de trabalho formado por MMA (Ministério do Meio Ambiente), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) recomendou a exclusão de 31 blocos nessa bacia por sensibilidades ambientais.
Além dos impactos locais, as ONGs alertam para efeitos da produção de petróleo nas áreas do leilão sobre o esforço para cumprir as metas do Acordo de Paris.
O Climainfo, por exemplo, estimou que a produção de petróleo nos blocos oferecidos resultaria na emissão de mais de 11 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente. O volume representa 5% de tudo que a humanidade ainda pode emitir para manter o aquecimento global em 1,5°C.
O WWF argumentou que a produção em novas fronteiras pode ficar encalhada caso governos mantenham esforço para cumprir essa meta, o que derrubaria os preços do petróleo e eliminaria a rentabilidade de até 40% dos projetos da Petrobras.
Governo e a estatal, porém, defendem que o Brasil já tem uma matriz energética mais renovável do que a média global e que precisa produzir petróleo para gerar emprego e renda em regiões ainda carentes de desenvolvimento econômico.
A diretora da ONG alemã Urgewald, Heffa Schuecking, destacou também na quinta que o Brasil é um dos líderes globais em investimentos no setor. Recebeu US$ 6,2 bilhões em investimentos em exploração e tem mais da metade dos planos de desenvolvimento de novas reservas da América Latina.
“É a quarta vez seguida em que a COP é sediada em um país petroleiro”, disse, também na quinta a diretora da ONG alemã Urgewald, Heffa Schuecking. “E com executivos de petroleiras entre as maiores delegações. Nos resta saber como isso vai se desenrolar.”
A ANP disse à Folha, em nota, que planeja os leilões seguindo diretrizes do CNPE.
Todo o processo do leilão de terça, afirmou, “segue ainda os requisitos legais e constitucionais estabelecidos, e levam em conta os objetivos de segurança energética do país, desenvolvimento tecnológico e responsabilidade socioambiental”.
A agência reforçou que as manifestações conjuntas que dão o aval ambiental ao leilão “não dão o direito de realizar atividades nas áreas”. “Caso empresas arrematem blocos em qualquer bacia, terão que obter licença do órgão ambiental competente para poder iniciar atividades de pesquisa e de exploração.”