/ Jun 17, 2025

Para quem Trump governa? – 17/06/2025 – Martin Wolf

Quem se beneficia de Trump? A quem ele serve? Como Ivan Krastev observou, ele está servindo aos seus próprios interesses de maneira grotesca. Mas e quanto às outras pessoas? Sabemos pelo brutal fechamento da Usaid (Agência dos EUA para Desenvolvimento Internacional) que ele não se importa nem um pouco com os pobres no exterior.

Mas ele demonstra preocupação com os norte-americanos comuns que votaram nele? O projeto de lei de gastos, chamado de “Grande e Belo Projeto de Lei” (OBBBA, na sigla em inglês) que está tramitando no Congresso mostra que a resposta é “não”. É um poderoso exemplo de “pluto-populismo” (“populismo plutocrático”), como eu o chamei pela primeira vez em 2006. Os ricos recebem a maior parte das benesses; os pobres ficam mais pobres; e o déficit fiscal permanece enorme.

As tarifas são um imposto sobre vendas de bens importados, que também tenderão a aumentar os preços dos substitutos domésticos. De modo geral, pessoas mais pobres gastam uma proporção maior de sua renda em bens do que pessoas mais ricas, que gastam uma proporção maior em serviços ou estão poupando grande parte dela.

Portanto, as tarifas são regressivas, como argumentam Kimberly Clausing e Mary Lovely do Peterson Institute for International Economics. Isso pode ser parte da razão pela qual Trump as adora. Enquanto isso, seus cortes de impostos beneficiam principalmente os ricos.

O Yale Budget Lab estimou o impacto das tarifas implementadas até 1º de junho de 2025 e da OBBBA, conforme aprovada pela Câmara dos Representantes. Claro, esta última provavelmente mudará. Mas o fato de ter sido aprovada pela Câmara dos Representantes já é surpreendente.

Em resumo, a combinação de aumentos tarifários com a OBBBA “reduziria a renda após impostos e transferências, em média, entre os 80% mais pobres das famílias dos EUA. Os 10% das famílias mais pobres veriam uma redução média de mais de 6,5% na renda, enquanto aqueles no topo veriam um aumento de quase 1,5%.”

Além disso, de acordo com o Yale Budget Lab, “conforme contabilizado convencionalmente, a OBBBA custa US$ 2,4 trilhões como está escrita (US$ 4 trilhões se as provisões temporárias se tornarem permanentes). As tarifas implementadas até 1º de junho arrecadariam US$ 2,4 trilhões”.

Caso esse julgamento se mostre aquém da realidade (eu suspeito que as tarifas não arrecadarão tanto dinheiro assim), a conclusão de Clausing e Lovely de que, “como política fiscal, a agenda de Trump equivale a cortes de impostos regressivos, apenas parcialmente pagos por aumentos de impostos regressivos” estaria correta.

Em sua avaliação, Paul Krugman conclui que ele tem “uma visão bastante negativa das intenções [Republicanas]. Mas este projeto de lei é tão cruelmente regressivo que chocou até a mim.” Também é, penso eu, muito cínico.

De acordo com uma carta do apartidário Congressional Budget Office (CBO), o número de pessoas sem seguro de saúde pode aumentar em 16 milhões até 2034, como resultado das mudanças propostas na OBBBA e em outros lugares. Também estão previstos cortes no programa de cupons de alimentos. Não é errado afirmar que muitos morrerão para custear grandes cortes de impostos para bilionários.

Se assumirmos que praticamente não haverá efeito da Trumponomics no crescimento econômico dos EUA, o efeito líquido na posição fiscal das tarifas mais a OBBBA parece ser uma continuação das tendências fiscais anteriores. Assim, os déficits fiscais permanecerão grandes e a dívida aumentará em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). No relatório The Long-Term Budget Outlook 2025-55, o CBO projetou que a proporção da dívida federal detida pelo público em relação ao PIB aumentaria de 100% este ano para 118% em 2035.

Em seu livro “How Countries Go Broke: The Big Cycle”, o autor Ray Dalio argumenta que a redução do déficit precisa ser de 3 a 4% do PIB para estabilizar a proporção da dívida. Tal ajuste é essencial agora? A resposta honesta tem que ser que ninguém sabe. Os EUA são a maior e mais consistente economia do mundo e emitem a moeda de reserva mundial. Isso lhes dá enorme margem de manobra.

Mas nada dura para sempre. Se as pessoas perderem a confiança nos EUA, o país poderia ser forçado a rolar dívidas em condições cada vez mais desfavoráveis. Por fim, grande parte dela poderia se tornar de curto prazo e, portanto, a taxas de juros definidas pelo Fed (Federal Reserve, o BC dos EUA).

Este último estaria então sob pressão para manter as taxas de juros baixas. O impacto de tal monetização da dívida combinada com repressão financeira poderia ser altamente desestabilizador. Como Rudiger Dornbusch, do MIT, uma vez declarou: “Na economia, as coisas demoram mais para acontecer do que você pensa, e então acontecem mais rápido do que você imaginava que poderiam.”

Portanto, a escolha sensata é mudar o curso antes que seja tarde demais. Isso faz ainda mais sentido se você decidiu travar uma amarga guerra comercial contra quase todos os seus credores: a dura experiência da presidência de Trump certamente transformará a percepção do mundo sobre os EUA.

Em geral, o populismo deve ser definido como uma forma de política que coloca “o povo” contra “as elites”. Os populistas podem ser de esquerda ou de direita. O populismo de Trump é evidentemente de direita, pois enfatiza cultura, etnia e nacionalidade. Isso fornece uma ótima cobertura para políticas que beneficiam a elite plutocrática em detrimento de quase todos os outros.

Mas em um excelente artigo de 2023, “Populist Leaders and the Economy”, Manuel Funke, Moritz Schularick e Christoph Trebesch chegam a duas conclusões que se aplicam tanto aos populistas de direita quanto aos de esquerda: primeiro, ambos os grupos tendem a infligir danos duradouros à própria democracia; e, segundo, sua imprudência, nacionalismo e ataques às instituições tendem a impor grandes custos econômicos.

Nos EUA, ambos os partidos agora efetivamente concordam sobre a falta de importância da prudência fiscal. Certamente, os democratas (opositores a Trump) já não veem muito benefício nisso, já que muitas vezes prepararam o terreno para cortes de impostos regressivos. Uma boa suposição, então, é que o endividamento dos EUA continuará aumentando. Os avisos de Dalio são, portanto, prescientes. Como o falecido Herbert Stein disse uma vez: “Se algo não pode continuar para sempre, vai parar.” As questões são apenas quando e quão dolorosamente.


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