O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Barbosa Pinto, diz à Folha que a maior parte do ganho com a renúncia anual concedida a títulos isentos, como as LCAs (Letras de Crédito do Agronegócio) e LCIs (Letras de Crédito Imobiliário), fica com bancos, corretoras e investidores dessas aplicações.
Ele calcula que apenas um terço do benefício fiscal da isenção do IR (Imposto de Renda), calculado em R$ 40 bilhões, vai para as empresas do agronegócio, da construção civil e de infraestrutura, que hoje formam polo de resistência à taxação desses títulos.
“O benefício não está indo todo para esses setores. Eles estão ficando com um terço, no máximo. A outra parte do benefício está indo para o investidor, é uma ‘bolsa rentista’, ou está ficando com intermediário, que é o banco ou a corretora que está intermediando a colocação desses títulos”, diz.
As estimativas do quanto cada grupo apropria da isenção foram feitas com base na análise das taxas oferecidas aos investidores e também dos juros cobrados dos credores na ponta. A Fazenda prepara um estudo mais detalhado para medir esse impacto e apontar as distorções também no mercado de títulos públicos vendidos pelo Tesouro Nacional.
Segundo ele, os intermediários captam os recursos a uma taxa mais barata, graças à isenção fiscal garantida aos investidores, mas o custo menor não é inteiramente repassado aos setores agrícola ou da construção. Cerca de dois terços desse ganho são apropriados pelo investidor e pelos bancos ou corretoras.
Barbosa Pinto afirma que o incentivo distorce o mercado de capitais brasileiro e dificulta o financiamento das demais empresas, via mercado acionário ou títulos privados de renda fixa.
“Não tem almoço grátis. Quando você isenta um produto e dirige grande parte da demanda por investimento para aquele produto, o que vai acontecer com os outros? Vão ficar mais caros. A taxa de juros dos outros vai subir”, diz.
O secretário defende a taxação em 5% de IR sobre este tipo de aplicação, estabelecida na MP (medida provisória) editada pelo governo na semana passada como alternativa à arrecadação com o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). O fim da isenção foi criticado pela bancada ruralista, com forte poder de pressão no Congresso.
Apesar da recepção negativa no Legislativo e no setor produtivo, o secretário diz que há condições de debater e explicar para a sociedade as vantagens de acabar com o que ele chama de “bolsa rentista”. Para ele, esclarecer os setores de que eles não têm sido os maiores beneficiados pela política pode ser decisivo para a aprovação da medida, já tentada em governos passados, sempre de forma mal-sucedida.
Barbosa Pinto afirma que, por causa da isenção, empresas estão captando hoje abaixo do custo do Tesouro. “Em nenhuma economia séria no mundo, empresa capta abaixo do custo de Tesouro. Isso está acontecendo no Brasil com frequência”, diz.
Integrante do time do ministro Fernando Haddad (Fazenda) que participou da elaboração da MP, o secretário afirma que a medida é estrutural e terá impacto fiscal mais significativos a partir de 2027.
Isso acontece porque quem já comprou títulos sob a promessa de isenção terá esse benefício garantido —ou seja, a mudança vale apenas para emissões futuras. O secretário também argumenta que esse horizonte é relevante para mostrar que o governo não terá grandes ganhos de arrecadação em 2026, ano de eleições presidenciais.
A MP enviada pelo governo também uniformizou as alíquotas de IR incidentes sobre os rendimentos com aplicações financeiras. Hoje, a cobrança vai de 15% a 22,5%, a depender do prazo do investimento —quanto mais cedo é o resgate, maior é a alíquota. A proposta é unificar tudo em 17,5%.
“Uniformizamos as alíquotas para deixar que o investidor decida qual a melhor forma de investimento, de acordo com os méritos de cada alternativa, e não forçar o investidor para um caminho ou outro mediante a tributação”, afirma.
Segundo ele, a mudança vai beneficiar pequenos investidores, que costumam fazer aportes e resgates com maior frequência e acabam sujeitos às maiores alíquotas. Por outro lado, Barbosa Pinto afirma que mesmo investidores de longo prazo mantêm um quadro favorável em relação a outros lugares. Entre os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a mediana do imposto sobre aplicações financeiras é de 27,5%.
Com a adoção de uma alíquota única para as aplicações financeiras, o investidor, pela primeira vez no Brasil, poderá fazer a compensação de ganhos e perdas.
Se o investidor, por exemplo, ganhar dinheiro numa aplicação de renda fixa e perder recursos na Bolsa, ele poderá compensar de forma global, olhando todos os investimentos feitos ao longo do ano. “Ele não vai pagar mais imposto do que deveria, tudo vai ser calculado efetivamente sobre o rendimento. É uma vantagem muito grande para o investidor pequeno, médio e grande.”
Hoje, por causa da diferença de alíquotas, o investidor do exemplo acaba recolhendo o imposto sobre os ganhos na renda fixa sem conseguir abater as perdas sofridas na Bolsa. “Agora, vai poder compensar não só dentro do ano, mas por cinco anos”, ressalta o secretário.
O investidor poderá manter o prejuízo guardado na declaração de ajuste anual do Imposto de Renda e compensar nos anos seguintes.
O secretário explicou ainda que a tributação do ganho de capital com os ativos virtuais, como as criptomoedas, foi também uniformizada em 17,5%. Como mostrou a Folha, ainda está em discussão com o BC (Banco Central) a tributação do IOF das remessas ao exterior desses ativos. Hoje, determinadas empresas estão utilizando criptomoedas para fazer operações de câmbio e descumprindo as regras do BC relativas a operações de câmbio sem recolher o IOF.
Para ele, é preciso dar o mesmo tratamento tributário quando as criptomoedas são usadas para operação de câmbio.
O secretário ainda rebateu a avaliação de que o governo usou a MP para restringir a compensação tributária, instrumento por meio do qual os contribuintes usam créditos para pagar menos impostos.
A MP incluiu duas hipóteses em que a compensação não será aceita: quando não há comprovante de pagamento do imposto gerador do crédito e quando o crédito não guarda relação com a atividade do contribuinte.
“A intenção não foi restringir as hipóteses de compensação, mas simplesmente penalizar aqueles que fazem compensações indevidas, sobretudo fraudulentas”, afirma Barbosa Pinto.