/ Jun 28, 2025

Samba, funk e alegria negra no futebol de Vini Jr. – 18/06/2025 – Cida Bento

“Sei sambar um pouco, sei dançar funk um pouco e acaba ajudando nos movimentos, acabo passando um pouco a alegria para os dribles no campo.”

A frase do craque de futebol Vinicius Junior talvez possa ser mais bem compreendida a partir de uma declaração do professor e filósofo Renato Noguera, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), de que os africanos, ao acessarem o futebol, poucas décadas após a abolição da escravidão no Brasil, “acrescentaram ao esporte um elemento presente em muitas culturas africanas: a corporalidade que se manifesta no drible”.

Publicada faz alguns anos no site do Observatório Racial do Futebol, a declaração de Noguera é parte de artigo que lembra ser Vini Jr., além de um grande artilheiro, um dos maiores dribladores, dando continuidade a brasileiros negros dos quais se destacam nomes como Ronaldinho, Neymar, Dener, Garrincha e Pelé, entre muitos outros. O êxito decorrente desse talento tem um preço, cujo exemplo macabro é o episódio —ocorrido em 26 de janeiro de 2023, horas antes do clássico entre Real Madrid e Atlético de Madrid, pela Copa do Rei— de exibição do “boneco enforcado” com o nome de Vinicius Junior, que gerou na Justiça espanhola a condenação de quatro torcedores à prisão.

Esse episódio demonstra que um dos grandes desafios é reconhecer que a forma alegre, dançada, gingada dos jogadores brasileiros incomoda os corpos duros e violentos de um determinado perfil de jogadores europeus cuja manifestação da masculinidade tem que ser de força e violência. Uma declaração do presidente da Associação Espanhola de Empresários de Jogadores, Pedro Bravo, em programa de TV em 2022, talvez dê conta de demonstrar essa percepção: “Se quer dançar, que vá ao sambódromo no Brasil. Aqui o que você tem que fazer é respeitar os companheiros de profissão e deixar de fazer macaquice”.

Entendo que uma fala dessa expressa a inveja, o ciúme despertado pela masculinidade negra na masculinidade branca. O episódio mórbido e ameaçador do “boneco enforcado” não foi uma ocorrência isolada. Vinicius Junior foi alvo de abusos raciais por parte de torcedores adversários em diversas ocasiões. A liga espanhola (La Liga) recebeu várias denúncias de racismo nos últimos anos, não só do Vini Jr. mas de outros atletas também, e a maioria foi arquivada.

As punições são brandas, e a falta de medidas socioeducativas e de campanhas efetivas e permanentes para o enfrentamento do racismo favorece a reincidência. A pena mais severa foi imposta a um dos quatro envolvidos no episódio racista, totalizando 22 meses de prisão em razão do ato ao divulgar imagens do boneco nas redes sociais. Outros três foram igualmente condenados à prisão por crime de ódio.

As penas incluem multas, proibição de aproximação a menos de mil metros de Vini Jr. e de qualquer estádio de futebol durante partidas da liga espanhola ou de competições organizadas pela Federação Espanhola de Futebol. Condenados não serão presos, uma vez que o Código Penal do país permite que penas inferiores a dois anos sejam suspensas, em casos de crimes não violentos, cometidos por réus primários.

A reportagem do Nexo Jornal “Rede de ódio, o que ressentimento e revolta podem gerar”, de 2022, destaca um elemento, dentre tantos outros, que nos parece fundamental: “Um rancor existencial ante o ser dos outros, causado por uma mescla intensa de inveja e sentimentos de humilhação e impotência…”. Ou seja, não é que o racista considere o jogador negro inferior, é que se sente inferior diante da competência, da leveza e da ousadia do brilhante e dançante jogador.

Assim é que, apesar de todos os desafios, essa condenação foi um marco para o futebol internacional.

Esta coluna foi escrita conjuntamente com Flávio Carrança, da Cojira


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