Em meio ao escândalo das cobranças indevidas do INSS e ao lançamento do consignado CLT, as reclamações sobre empréstimos com desconto em folha cresceram 91,2% entre janeiro a maio de 2025 em relação ao mesmo período do ano passado, segundo dados da plataforma consumidor.gov, do Ministério da Justiça.
O portal de defesa do consumidor registrou 50.563 queixas sobre crédito consignado no acumulado deste ano, o maior valor da série histórica do portal, que se inicia em 2014. O montante supera inclusive 2021 —foi quando a margem consignável para aposentados subiu a 40%, o que estimulou ofertas agressivas pelos bancos.
Neste ano, as queixas de consumidores já vinham em alta no primeiro trimestre, mas passaram a aumentar ainda mais a partir de março, após o lançamento do consignado CLT e da operação Sem Desconto, deflagrada pela Polícia Federal e pela CGU (Controladoria-Geral da União) e que investiga descontos não autorizados em benefícios do INSS.
Quando se olha as queixas específicas sobre o crédito consignado a aposentados, houve 27.950 reclamações nos primeiros cinco meses do ano, um crescimento de 73,3% ante janeiro a maio de 2024. Somente no mês passado, foram registradas 7.300 queixas, um salto de 266% ante mesmo período do ano passado.
Na avaliação de especialistas, as informações amplamente divulgadas pela mídia sobre a investigação da PF e da CGU levaram muitos aposentados e seus parentes a checarem os extratos do INSS para verificar possíveis cobranças irregulares.
Para Ione Amorim, economista e consultora do programa de serviços financeiros do Idec, essa checagem pode ter levado muitos aposentados a constatarem cobranças irregulares de consignado.
Os dados do consumidor.gov mostram que, em maio, os problemas mais reclamados sobre o consignado INSS foram cobrança por serviço não contratado, com 25,66% das queixas, seguido de não entrega de documento relacionado ao serviço (16,07% do total) e de cobrança indevida ou abusiva para alterar ou cancelar contrato (10,15%).
“Muitos idosos são enganados, não se dão conta que o consignado é um crédito. Imaginam que é alguma antecipação do 13º, e depois não percebem que os seus benefícios vão sofrendo descontos”, afirma ela. “Com o escândalo das associações do INSS, muitos foram olhar com cuidado suas contas.”
É a mesma avaliação do Procon-SP. “Pode ser que os consumidores, alertados pelas notícias dos débitos indevidos de associações, tenham passado a verificar com mais atenção seus extratos e constatar o débito indevido, efetuando reclamações, posto que no dia a dia o consumidor demora a perceber os descontos indevidos.”
CONSIGNADO CLT
No caso do crédito consignado a trabalhadores do setor privado e funcionários públicos, o total de queixas no acumulado do ano até maio foi de 22.613, uma alta ainda mais pronunciada, de 119,2% na comparação anual.
As reclamações foram impulsionadas pelo lançamento do crédito consignado CLT, novo produto para trabalhadores do setor privado com negociação em leilão dentro do aplicativo da carteira de trabalho digital. O programa entrou em vigor no final de março.
As principais queixas no mês passado foram a não entrega do contrato ou documentação relacionada ao serviço (15,41% das queixas), contestação de cálculo de juros e saldo devedor (10,06%) e dificuldades para obter boletos de quitação (8,11%).
“Muitas reclamações recentes sobre o consignado privado e de funcionários públicos refletem a forma pouco transparente da oferta de crédito do consignado CLT, com muita gente aceitando as ofertas sem informação suficiente”, afirma Amorim.
COMPROMETIMENTO DA RENDA
Para a especialista do Idec, é importante que o consumidor compreenda que, no momento em que contrata um consignado, está comprometendo sua renda mensal por um determinado período de tempo.
“Ela está reduzindo seus recursos para sobrevivência mensal, e isso faz com que a pessoa não tenha renda integral. É um impulsionador de endividamento das famílias, e cria uma dependência sistemática de crédito que pode levar à busca de linhas de crédito mais caras”.
Amorim é uma das autoras de um estudo que mostra que, apesar das taxas de juros serem mais baixas nesse tipo de empréstimo, uma combinação de ofertas abusivas, falta de fiscalização e regulação frágil torna o consignado um estímulo ao endividamento prolongado de idosos.
Isso porque o comprometimento da renda pode chegar a até 45%, quando se considera na conta o cartão de crédito consignado, e o prazo de pagamento é de até 96 meses, ou oito anos.
“O consignado tem essa característica de que conforme a pessoa vai pagando, mais margem consignável vai abrindo, e os bancos oferecem de novo aquele crédito. É uma oferta bastante agressiva”, reforça Rafael Schiozer, professor titular de Finanças da FGV EAESP.
Para a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), os dados da plataforma se comparam a um total de mais de 6 milhões de operações de consignado registradas no primeiro trimestre de 2025.
“O número de queixas representa menos de 0,05% do total de empréstimos do primeiro trimestre de 2025”, afirma Amaury Oliva, diretor executivo de Cidadania Financeira e Relações com o Consumidor da Febraban. “É um número pequeno quando pensamos no total de operações.”
Na avaliação de Oliva, as reclamações ao consumidor.gov são importantes para que a Febraban melhore suas ações de autorregulação. Desde 2020, segundo a associação de bancos, já houve 1.461 sanções aplicadas pelos bancos a correspondentes bancários por descumprimento de normas internas para o consignado.