/ Jun 29, 2025

Estados e municípios elevam gasto em relação ao PIB – 28/06/2025 – Mercado

O gasto médio de estados e municípios entre 2022 e 2024 cresceu o equivalente a dois pontos percentuais do PIB (Produto Interno Bruto) na comparação com o período de 2016 a 2019. A expansão preocupa especialistas devido ao risco de deterioração das contas públicas e às deficiências técnicas de algumas localidades para conseguir a melhor aplicação dos recursos.

Um levantamento do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) a partir de dados do Tesouro Nacional mostra que os governos estaduais e municipais gastaram, em média, 18,3% do PIB ao ano entre 2016 e 2019, antes da Covid-19. Já no período pós-pandemia, essa proporção alcançou a média de 20,3% do PIB —ultrapassando os gastos federais, que caíram no mesmo intervalo.

Os cálculos refletem o total de despesas, descontadas as transferências enviadas a outros entes e o pagamento de juros.

Como mostrou a Folha, boa parte da expansão das despesas de estados e municípios é impulsionada pelo maior volume de transferências da União, por meio da maior repartição de impostos federais, do fortalecimento de instrumentos como o Fundeb (fundo para a educação básica) e do uso das chamadas “emendas Pix” para enviar dinheiro sem carimbo para os cofres de governadores e prefeitos.

O fenômeno tem sido chamado por especialistas de “descentralização silenciosa”. No início do mês, o FGV Ibre realizou um seminário com economistas para discutir o fenômeno e suas possíveis consequências para o país.

“Várias decisões estão sendo tomadas de forma muito fragmentada e ninguém está vendo o todo. O regime fiscal brasileiro mudou depois da pandemia. Os gastos públicos têm crescido, mas esse crescimento se dá principalmente nos estados e municípios”, alerta o economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre.

Segundo ele, a descentralização fiscal já ocorreu em outros períodos da história econômica brasileira, como na República Velha (1889-1930) e entre o fim da Era Vargas e o início da ditadura militar, em 1964. “Toda vez que a descentralização ocorreu, houve aumento da recorrência de crises políticas e crises econômicas, porque o governo federal perde a capacidade de fazer a coordenação em nível macro”, afirma.

O aumento das despesas é puxado pelas prefeituras, muitas das quais já dão sinais de deterioração da situação fiscal. Os dados mostram que os municípios gastavam em média 8,5% do PIB entre 2016 e 2019. Entre 2022 e 2024, essa proporção subiu para 10,2% do PIB —uma diferença de 1,7 ponto percentual.

Os municípios são grandes beneficiários do aumento das transferências, com incrementos recentes nos repasses via FPM (Fundo de Participação dos Municípios), além do Fundeb. Eles também são os principais destinatários das emendas Pix.

Um dos efeitos colaterais é o risco de incentivo à subtributação dos impostos locais. Amparados pelas transferências, os gestores não precisam assumir o ônus político de elevar tributos para garantir um caixa equilibrado e o financiamento adequado de suas políticas.

A professora Úrsula Peres, do curso de Gestão de Políticas Públicas na USP (Universidade de São Paulo), afirma que o crescimento das receitas disponíveis dos municípios em ritmo maior do que sua arrecadação direta reflete esse fenômeno. Entre 2000 e 2023, a participação dos municípios na arrecadação direta por esfera de governo saiu de 5,7% para 8,4%. Já a fatia das prefeituras na receita disponível saltou de 17,5% para 22,8%.

Ela ressalta ainda que muitos municípios têm estrutura burocrática bastante simples, e alguns não têm nem sequer contador, o que afeta sua capacidade de prestar contas ou fazer licitações.

O professor Eduardo Grin, pesquisador do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo da FGV, diz que, em um período de regras mais flexíveis (entre 1988 e 1996), municípios foram criados por disputas políticas ou para se beneficiar da garantia de transferências constitucionais, como FPM e recursos do SUS (Sistema Único de Saúde), sem a necessidade de comprovar sustentabilidade financeira.

Ele citou um estudo da Firjan (Federação de Indústrias do Rio de Janeiro), que estima que 1.570 municípios não geram receitas suficientes nem sequer para bancar seus custos administrativos. Tentativas de reduzir o número de municípios, porém, enfrentaram fortes resistências no Congresso Nacional e têm poucas chances de prosperar.

“A gente pode discutir se esse arranjo é eficaz, se ele funciona, aprimorar, mas a descentralização é um caminho sem volta”, diz.

Na visão dos especialistas, outra consequência negativa é a descoordenação de políticas. Peres destaca que municípios menores (até 20 mil habitantes) têm uma receita corrente per capita maior do que cidades de médio porte ou até mesmo grandes centros, embora a concentração de pessoas mais vulneráveis (e a demanda por políticas públicas) esteja, em geral, nestes últimos.

A fiscalização do uso dos recursos também é um desafio. “A gente hoje está sem sistema de controle dessas transferências, porque os tribunais de contas estaduais alegam que é recurso transferido da União. E o Tribunal de Contas da União alega que ele não tem pernas para fazer auditorias em todos os municípios. Nesse impasse, a maior parte desses recursos não está sendo analisada”, alerta a professora.

Nas últimas semanas, o aumento das transferências da União para estados e municípios entrou no radar da equipe comandada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

Em reunião com parlamentares no início do mês, o ministro exibiu uma apresentação que exibia o crescimento acelerado dos repasses a estados e municípios e da complementação ao Fundeb.

O fundo reúne uma fatia dos impostos estaduais e municipais e é acrescido de uma complementação da União. Até 2020, esse complemento era de 10% do valor do fundo, mas o Congresso decidiu elevá-lo gradualmente, até chegar a 21% em 2025 e 23% em 2026.

O governo chegou a discutir a possibilidade de travar a complementação no patamar atual, mas essa proposta não foi formalizada e enfrenta resistências.

A repórter viajou a convite do FGV Ibre

Notícias Recentes

Travel News

Lifestyle News

Fashion News

Copyright 2025 Expressa Noticias – Todos os direitos reservados.