“Uma das dúvidas ou queixas que Luciana Azevedo, 33, mais ouve de seus alunos diz respeito a perder a essência. Há um desconforto em abandonar no trabalho a própria personalidade para vestir a carapuça de um personagem.
Conhecida nas redes sociais como Luciana RH Sincero, ela acha curiosa essa questão.
“Para que ser a sua melhor versão no trabalho? Por que isso é tão importante? Eu cansei de forçar as empresas a me aceitarem, de tentar ser uma pessoa que revolucionaria as coisas. Isso é cansativo e não traz resultados. O que compensa é estar com a terapia em dia e usar o trabalho para viver nossa vida plena”, afirma.
Ela acredita que todos devem ser, no profissional, pelo menos em parte, uma figura odiada no mundo corporativo: puxa-saco.
A estratégia serviria como tábua salva-vidas no mundo corporativo, segundo a gestora em recursos humanos que vive em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Ela acredita tanto nisso que criou um curso online para ensinar a ser bajulador ou bajuladora.
“A minha ideia é mudar o conceito do puxa-saco. Fazer com que as pessoas sejam inteligentes. Não precisa ser antiético, imoral. Não é necessário nada disso. A verdade é que você pode ser o melhor funcionário, mas não vai a lugar nenhum sem chefe. Você quer aumento, quer ir para outra área, quer construir network em outras empresas? A essência para tudo isso é ter uma boa relação com a liderança”, completa.
A aversão ao adulador é antiga. Dante Alighieri, na Divina Comédia, considerava a fraude um pecado gravíssimo, uma traição. Os bajuladores deveriam ir para a segunda bolgia, uma das dez valas que compõem o penúltimo círculo do inferno. A punição era ser submerso em um fosso de fezes e esterco. A obra foi escrita em 1321.
Machado de Assis, no conto “Um Homem Superior”, descreveu os modos de Clemente Soares, personagem exímio na bajulação. Era uma espécie de laboratório para a criação de Cristiano Palha, o interesseiro coadjuvante do romance “Quincas Borba.”
Puxa-saco é um termo militar brasileiro. Designa o subalterno encarregado de carregar o saco com os pertences de seus superiores durante viagens.
A autora do curso sobre o assunto começou a chamar atenção no Linkedin. Em uma rede conhecida por opiniões de coach, textos que parecem mentorias ou afirmações repetidas sobre comprometimento no trabalho, ela criou um estilo, como o próprio apelido sugere, sincero.
“Eu nunca aguentei a hipocrisia do mundo corporativo. O RH tem de fingir que aceita e gosta de tudo o que acontece na empresa. Quem trabalha lá é julgado como cúmplice pelos demais. Quem trabalha em recursos humanos não é visto como apenas mais um funcionário. Resolvi falar o que as pessoas do RH pensam de verdade, com comentários mais ácidos, mais polêmicos”, diz.
Ela trabalhou em grandes empresas por dez anos. Começou como estagiária até chegar a business partner, mais uma expressão digna de Linkedin. Sempre lidou com processos de recrutamento e seleção.
A primeira semente sobre a consultoria para puxa-sacos veio quando ela ainda estava no mundo CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Em uma grife de calçados e acessórios femininos, notou que gente tecnicamente talentosa era deixada de lado por não ser tão próxima do líder. Era preterida por outras, menos talentosas, mas puxa-sacos.
Então se propôs a ensinar os competentes a puxar o saco para não serem deixados para trás pelos incompetentes.
Ela não fala tudo o que ensina no curso, claro, mas uma das lições pode ser definida como “se fingir de tonto”.
“O funcionário quer assumir a responsabilidade e dizer ser protagonista de vários projetos sem ajuda de ninguém. A liderança pensa: ‘Não te ajudei com nada?’ Vale sempre compartilhar com o chefe, pedir um conselho, um insight para colher o mérito lá na frente. Você pode teimar e querer tudo sozinho… Mas isso vai levar aonde?”
O curso tem seis aulas de 45 minutos cada. Está em constante atualização, afirma, porque novos temas aparecem. O mais recente foi como ser bajulador no ambiente home office. Admite já pensar em como colocar algo sobre inteligência artificial, uma ferramenta que não é puxa-saco, nem permite que você o seja com ela. O que fazer?
Luciana achou que venderia o treinamento para profissionais mais maduros, mas diz ser procurada por gente de todas as idades. Esta foi uma grande descoberta. As suas lições não serviam, como ela imaginava que aconteceria, principalmente para quem busca melhor salário, mais status, uma promoção. São usadas por quem quer paz no ambiente de trabalho.
“Quem faz o curso muitas vezes não deseja ter uma energia de desconfiança no emprego. Vejo muito isso com a Geração Z [nascidos entre a metade da década de 1990 e 2010]. Sou procurada por servidores públicos porque é um ambiente muito insalubre dentro de um contexto profissional que a pessoa não vai sair tão cedo. Tem de aprender a conviver com isso.”
Ela diz já ter recebido mensagens de alunos que aplicaram as lições não apenas no trabalho, mas com a sogra, com a namorada… O que vale, no final, é ter sossego.