Em uma reunião externa no Vale do Silício em fevereiro para a Chan Zuckerberg Initiative, Mark Zuckerberg e Priscilla Chan precisavam tranquilizar a equipe sobre como a empresa de filantropia lida com diversidade, equidade e inclusão (DEI, no jargão corporativo).
Chan, pediatra, falou primeiro. Ela disse aos funcionários que palavras como DEI seriam menos enfatizadas internamente, de acordo com quatro participantes, que não estavam autorizados a falar publicamente sobre a reunião confidencial. Mas, Chan insistiu, o compromisso da organização beneficente não mudaria.
Então Zuckerberg, CEO da Meta, interveio. Sua filantropia iria contratar os melhores talentos para o trabalho, disse ele sem rodeios.
Em poucos dias, a Chan Zuckerberg Initiative encerrou o recrutamento baseado em diversidade e demitiu ou realocou funcionários que administravam iniciativas de diversidade, removendo de seu site todas as referências ao assunto.
Alguns meses depois, uma escola para estudantes de baixa renda que Chan havia fundado anunciou seu fechamento. A filantropia também encerrou seus trabalhos em habitação, o último projeto progressista de peso.
As mudanças coroaram uma surpreendente retração para uma organização que havia se proposto a ser um amplo empreendimento filantrópico de centro-esquerda.
Zuckerberg, 41, e sua esposa, Chan, 40, haviam iniciado a Chan Zuckerberg Initiative em 2015 usando a riqueza de seu império de redes sociais para formar um “novo tipo de filantropia” e prometendo consertar a educação americana, transformar a política pública dos EUA e “curar todas as doenças.”
“Nossas esperanças para sua geração se concentram em duas ideias: avançar o potencial humano e promover a igualdade”, escreveram Zuckerberg e Chan em uma carta aberta sobre o esforço para sua filha recém-nascida, Max, na época. Eles acrescentaram: “Devemos participar de políticas públicas e defender causas para moldar debates.”
Desde então, algumas linhas dessa carta —como participar de políticas públicas e defender causas— foram silenciosamente excluídas do site da filantropia. E uma década depois, o compromisso de US$ 256 bilhões de Zuckerberg e Chan foi reduzido para se concentrar em esforços científicos. As mudanças, que começaram cerca de cinco anos atrás, ganharam mais força após a posse do presidente Donald Trump.
A empresa disse que as exclusões foram acidentais e foram recuperadas após questionamentos do The New York Times.
No ano passado, a Iniciativa Chan Zuckerberg comprometeu US$ 336 milhões em doações, menos que a média de US$ 846 milhões por ano que havia concedido desde 2018.
Cerca de 69% das doações foram para ciência, acima dos 29% em 2019, disse a organização. Doações para educação formaram cerca de 12% dos compromissos do ano passado, abaixo dos 33% em 2019. A organização começou a se autodenominar uma “filantropia com prioridade científica.”
Não é incomum que jovens filantropos reajustem suas doações à medida que aprendem com seus erros. Muitas outras instituições de caridade têm apenas um único foco. Mas tem sido desconcertante para os aliados da Chan Zuckerberg Initiative ver um descarte e desvalorização tão completos de seu trabalho anterior, especialmente considerando a forma como divulgaram publicamente seus objetivos.
“Estava na cara”, disse Catherine Bracy, CEO da TechEquity, um grupo de defesa de causas progressistas, que recebeu mais de US$ 2 milhões da filantropia ao longo de oito anos. O casal tem “estreitado suas ambições, mudado suas prioridades, enrolado as pessoas”, disse. “É uma morte lenta e dolorosa.”
As mudanças foram motivadas por uma percepção de Zuckerberg e Chan de que seu financiamento científico estava funcionando, enquanto seus gastos em áreas como educação e política não estavam, de acordo com entrevistas com mais de 20 amigos, funcionários, ex-funcionários e outras pessoas próximas a eles. Muitos falaram sob condição de anonimato, pois não estavam autorizados a divulgar conversas privadas.
Mike Schroepfer, ex-diretor de tecnologia da Meta, que conhece o casal há quase duas décadas, disse que eles se concentraram na ciência em parte porque estava “muito mais em sua área de competência”.
“A ciência era importante para eles desde o início”, disse. “Acho que curar todas as doenças é um projeto único grande o suficiente para se concentrar.”
Ao mesmo tempo, Zuckerberg e Chan passaram por uma transformação política pessoal, aliando-se à direita. A filantropia tornou-se um passivo político, disseram pessoas próximas a eles, com influenciadores pró-Trump vendo a organização como sendo de esquerda.
Na Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, Zuckerberg também encerrou programas de diversidade e nomeou um aliado de Trump para seu conselho.
Chan, que havia impressionado colegas por seu profundo compromisso com políticas progressistas e às vezes chorava ao ouvir histórias pessoais sobre temas como imigração, agora está tentando falar com públicos conservadores e expressou privadamente consternação sobre protestos anti-Israel em universidades, segundo duas pessoas próximas a ela.
Quando o casal compareceu à posse de Trump em janeiro, alguns funcionários disseram que Chan parecia não entender como sua aparição poderia provocar reações negativas. Em uma reunião de equipe naquele mês, ela ficou emocionada com o que chamou de “transição pacífica de poder”.
Em resposta aos pedidos de comentário, a Chan Zuckerberg Initiative apontou para comentários que Chan fez em uma newsletter para os aliados da organização na terça-feira (24).
“Entendemos melhor onde podemos contribuir de forma única —e onde outros podem estar mais bem preparados para liderar. Tenho orgulho de tudo isso”, escreveu. “Essa jornada nos levou a aguçar nosso foco na interseção entre biologia e IA, onde estamos vendo um impulso transformador, enquanto ainda comprometemos recursos significativos para a educação e nossa comunidade local.”
Procurada, a Meta direcionou a reportagem à organização filantrópica. O San Francisco Standard relatou anteriormente algumas das mudanças da organização.