Os músicos da Orquestra Sinfônica de Toronto tomaram seus lugares no Roy Thomson Hall na quarta-feira (25) para uma apresentação da sinfonia “Ressurreição”, de Gustav Mahler. Então, uma porta do palco se abriu e o maestro saiu.
Ele não era alguém renomado mundialmente ou mesmo um músico treinado. O homem que saiu, vestindo uma camisa branca impecável e assumindo o pódio, era um executivo de tecnologia de 78 anos que pagou à Sinfônica de Toronto quase US$ 400 mil (R$ 2,19 bilhões) para regê-la por uma noite.
Fã de música clássica, que tocou em uma banda de gaita na escola secundária e experimentou a regência, Cheung persuadiu a orquestra a permitir que ele realizasse seu sonho de longa data de liderar um conjunto de alto nível.
“Eu tinha assistido aos vídeos e ouvido as gravações”, afirmou Cheung, presidente e CEO da ComputerTalk Technology em Toronto. “Eu tinha visto a magia do homem em pé na frente da orquestra com uma batuta. Então eu disse: ‘Por que eu não posso fazer isso também?'”, questionou.
Eu posso pagar por isso. Isso é o principal. Então, quando isso passou pela minha cabeça, eu disse: ‘Ei, talvez eu deva tentar’
Os líderes da Sinfônica de Toronto aceitaram, apesar das objeções de alguns músicos, que argumentaram que o conjunto centenário de 102 anos não deveria entregar seu pódio a amadores.
A orquestra, como muitas organizações artísticas, tem enfrentado dificuldades para se bancar. A venda de ingressos cobre apenas cerca de 38% do orçamento anual da orquestra de aproximadamente US$ 24 milhões (R$ 131,59 milhões); o restante é custeado através de filantropia, subsídios e outras fontes.
Mark Williams, CEO da Sinfônica de Toronto, afirmou que o concerto fazia parte dos esforços da orquestra para diversificar suas receitas. O evento não fazia parte do programa anual de assinaturas, observou ele: foi apresentado (mas não executado) pela Mandle Philharmonic, uma orquestra fundada em 2018 por Cheung que ele também lidera.
“Vamos explorar maneiras apropriadas de impulsionar a receita (…) e continuamente trazer os holofotes de volta para a relevância do que fazemos”, comentou Williams.
Cheung não é o primeiro maestro amador a causar agitação. Seu trabalho tem alguns paralelos com Gilbert E. Kaplan, um editor financeiro que embarcou em uma segunda carreira como maestro internacional.
Kaplan tinha uma peça em seu repertório —também a “Ressurreição” de Mahler— que ele apresentou com conjuntos renomados, incluindo a Orquestra Sinfônica de Londres e a Filarmônica de Viena. Às vezes, ele enfrentou oposição de músicos, inclusive durante uma aparição controversa em 2008 com a Filarmônica de Nova York.
Em Toronto, os membros da orquestra estavam divididos sobre a participação de Cheung. Alguns músicos expressaram preocupação com um amador liderando a desafiadora “Ressurreição”, que é escrita para uma orquestra completa, coro e dois solistas vocais, e dura cerca de 90 minutos. A apresentação de quarta-feira teve o acompanhamento do Coro Amadeus.
Bridget Hunt, violinista da orquestra e presidente do comitê consultivo artístico, elogiou o apoio de Cheung a grupos culturais e músicos no Canadá. Mas ela disse que foi desafiador segui-lo, mesmo após vários ensaios.
“É difícil quando você tem alguém no pódio que não tem a experiência”, admitiu. “Meus colegas foram extraordinários, pois todos nos unimos. Em um momento, pensei: ‘Isso é como um quarteto gigante ou um conjunto de câmara gigante.’ Nós nos ouvimos. A experiência nos uniu, porque sabíamos que dependia de nós fazer isso acontecer”, afirmou.
Ela acrescentou que o pagamento para a orquestra “precisa refletir a quantidade de esforço investido na montagem de algo assim.”
A violoncelista Lucia Ticho, que é presidente do comitê da orquestra da Sinfônica de Toronto, disse que os músicos deveriam ter sido ouvidos na decisão de contratar Cheung e na seleção do repertório. “Se estivéssemos envolvidos nessas discussões (…) nunca teríamos concordado com o Mahler”, comentou.
Cheung disse que compreendia as preocupações dos músicos. “Estes são grandes músicos, e eles trabalham muito duro toda a vida para se tornarem instrumentistas em uma orquestra sinfônica profissional”, disse. “E então alguém que não é um maestro reconhecido simplesmente entra, escreve um cheque e começa a regê-los”.
CEO TEM SUA PRÓPRIA ORQUESTRA
Cheung passou vários meses se preparando para o concerto, realizando mais de dez ensaios com sua orquestra, a Mandle Philharmonic. Em seu primeiro ensaio com a Sinfônica de Toronto na semana passada, ele revelou que falou aos músicos: “Vou passar os próximos cinco minutos tentando ganhar sua confiança de que posso fazer isso.”
Na entrevista, ele comentou: “Era algo que eu tinha que provar a eles.”
Cheung cobriu os custos do concerto, que ele disse incluir a taxa da orquestra de cerca de US$ 337 mil (R$ 1,85 bilhão), uma taxa de aluguel para o Roy Thomson Hall de cerca de US$ 45 mil (R$ 82,5 mil) e taxas de solistas de cerca de US$ 15 mil (R$ 82,25 mil).
Após a apresentação, Cheung e a orquestra foram aplaudidos de pé. Ele disse que estava grato pela oportunidade. “Agora que regi em Toronto, talvez isso possa ser como uma credencial para abordar orquestras dos EUA e europeias, para ver se podemos trabalhar com elas. Isso seria bom”, disse.
