/ Jun 30, 2025

Empresas desistem de projetos renováveis no Brasil – 29/06/2025 – Mercado

Após quase duas décadas de crescimento expressivo, a geração de energia por fontes renováveis, cuja expansão é fundamental para viabilizar a descarbonização, está em baixa no Brasil. Nos últimos meses, cresceu o número de pedidos de revogação de outorgas de empreendimentos das fontes solar, fotovoltaica e eólica.

Os grupos econômicos desistentes não enxergam uma solução no curto prazo para que os investimentos tenham retorno alinhado com as expectativas de receita iniciais dos projetos.

A queda da atratividade ocorre num cenário que combina juros e câmbio elevados, preços baixos para contratos futuros de energia elétrica, sobreoferta estrutural e falta de consumo.

Os gargalos na infraestrutura de transmissão para escoamento da energia elétrica agravam a crise, e mesmo projetos licitados pelo governo enfrentam atrasos na construção, muitas vezes ligados a problemas no licenciamento ambiental.

Muitos são projetos que avançaram no meio da chamada “corrida do ouro” das renováveis, quando a lei 14.120, de março de 2021, deu um prazo para que usufruíssem de descontos na tarifa fio, paga por geradores e consumidores pelo uso das redes de transmissão e distribuição.

UMA HIDRELÉTRICA A MENOS

Em junho, a Enel Brasil pediu a revogação da outorga de eólicas e solares que seriam instaladas nos estados da Bahia, Ceará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte, num total de quase de 1.500 megawatts (MW) de capacidade instalada, equivalente a uma termelétrica de grande porte ou a uma hidrelétrica, como Porto Primavera.

Para desistir dos projetos, a empresa precisa da aprovação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Nas justificativas, a Enel mencionou o descasamento entre a data que as usinas iniciariam a geração de energia e a conexão disponível das instalações de transmissão.

Uma das consequências dos atrasos em instalações de transmissão é o aumento dos cortes de geração, chamados de “curtailment”, determinados pelo ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) por falta de onde alocar a energia.

Segundo Bruno Riga, presidente da Enel Green Power, braço de geração da empresa italiana, com o curtailment, o retorno dos investimentos da companhia tem sido postergado, em média, em cinco anos, a partir da projeção da decisão inicial, que gira em torno de dez a 15 anos.

“O estado onde temos o maior impacto é a Bahia, porque temos 1,6 GW de capacidade instalada, e que representa 40% de toda a nossa capacidade instalada no Brasil”, disse Riga, complementando que os cortes de geração das usinas solares na Bahia chegam a até 35% do que elas previam gerar.

OUTRAS DESISTÊNCIAS NO PAÍS

A Enel Brasil não está sozinha nos pedidos de revogação de outorga. Em maio, a Auren Energia foi autorizada a revogar as outorgas de cinco eólicas, somando 159,6 MW, da fase dois do complexo Tucano, cujo desenvolvimento ficou inviável mesmo depois de “desembolsos milionários para a sustentação dos projetos.”

As eólicas foram adquiridas pela Auren na compra da AES Brasil. Em documento enviado à agência reguladora, a empresa citou a atual conjuntura do setor elétrico como um dos motivos para o pedido.

Um dos argumentos foi a dificuldade na negociação da energia a ser gerada, tanto no mercado livre, quando a energia pode ser vendida diretamente aos consumidores finais, quanto em leilões para distribuidoras.

Segundo a Auren, a sobreoferta estrutural de energia reflete, por exemplo, o avanço da geração distribuída (GD), aquela dos painéis solares nas residências e compartilhados entre grupos de consumidores, que têm tirado a demanda dos projetos de maior porte e contribuído com o aumento do curtailment.

A Shell, outra grande empresa do setor energético mundial, informou neste ano a descontinuação dos projetos de geração centralizada de energia solar e eólica no Brasil. A empresa tinha cerca de 3 GW em outorgas de projetos solares no país. O motivo para a desistência foi semelhante aos da Auren e Enel: problemas de conexão à rede.

O presidente da Shell Brasil, Cristiano Pinto da Costa, justificou que o mercado brasileiro tinha demasiado suprimento de projetos de energia, sendo “mais barato” comprar energia de terceiros do que desenvolver a própria geração.

Levantamento da MegaWhat aponta que, até o momento, a Aneel aprovou os pedidos de revogação de outorga para 1.165 MW em projetos da Shell que seriam instalados em Goiás, Minas Gerais e Paraíba. Em 2024, a empresa transferiu as outorgas das usinas solares Draco 1 a Draco 11, num total de 600 MW, para a Atlas Renewable Energy.

Conforme apuração da MegaWhat, o cancelamento das outorgas não inviabiliza o desenvolvimento futuro dos empreendimentos, já que as empresas ainda são donas dos projetos e podem fazer novas solicitações de outorga

O desconto na tarifa fio, contudo, está atrelado às outorgas, e sem ele as outras premissas dos projetos precisarão ser muito aprimoradas para o retorno valer a pena no futuro.

Procurada, a Aneel informou que não dispõe de levantamento pronto sobre os pedidos de revogação de outorga em análise, mas disse observar que os pedidos refletem, em parte, um movimento natural de ajuste do setor após um período de intensa solicitação de autorizações, na época da “corrida do ouro”.

“Esse movimento foi impulsionado por expectativas no corte de subsídios para fontes incentivadas. No entanto, a ausência de margem de escoamento na rede de transmissão e a limitação de mercado consumidor para absorver a energia ofertada por milhares de projetos outorgados entre 2020 e 2023 pode levar alguns agentes a reavaliar a viabilidade de seus empreendimentos”, disse a Aneel.

SEM GERAÇÃO

Com o descasamento da transmissão, os empreendedores de fontes renováveis têm em seu horizonte o desafio de administrar restrições severas da geração, conforme recente relatório do ONS sobre o tema.

Os cortes de geração renovável por razão energética, quando a oferta de energia é maior que a demanda e não há nenhum tipo de ressarcimento ao gerador, devem se tornar ainda mais predominantes nos próximos anos. Em 2029, o operador prevê cortes que chegam a até 20 GW durante o dia, sendo que 96% dos eventos devem ser classificados por razão energética.

Os geradores renováveis, porém, alegam que há falhas no processo de classificação pelo ONS, e dizem que há muitos cortes causados por gargalos na transmissão, que deveriam ser reembolsados, por serem razão externa ao projeto.

O planejamento da transmissão de energia do país acabou entrando na discussão. O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), um dos mais ativos no assunto, chegou a defender em algumas ocasiões que o estado construa as linhas, em parceria com o setor privado, o que subverteria toda a lógica do planejamento, que é elaborado a partir da previsão de demanda, e não de geração, e considera diversos outros aspectos ligados à engenharia das redes.

GARGALO NO LICENCIAMENTO

Sobrou também para o Ibama os gargalos nos processos de licenciamento ambiental, que afetam o avanço das linhas de transmissão já licitadas. O órgão acumula 20 mil quilômetros de linhas para avaliação e estudos nos próximos anos, disse Eduardo Wagner, da diretoria de Licenciamento do Ibama.

A ISA Energia Brasil, uma das maiores transmissoras do país, tem projetos que somam investimentos de R$ 7,5 bilhões até 2029, e disse que todos seguem dentro do cronograma, sem qualquer registro de atraso, mas identificou problemas nos licenciamentos relacionados à falta de recursos humanos nos órgãos.

Um dos projetos que deve auxiliar na conexão de novas usinas eólicas e solares é a linha de transmissão de 1.100 km de Barra, na Bahia, até o norte de Minas Gerais. A instalação da ISA Energia chegou ao seu último trecho e aguarda licença para avançar nas obras.

“Apesar dos esforços dos órgãos nas análises, a falta de recursos humanos tem dificultado o atendimento tempestivo ao grande volume de empreendimentos leiloados nos últimos anos”, disse a ISA Energia.

Considerando todas as áreas de atuação do Ibama, em 2010, 791 processos foram distribuídos para 316 técnicos, número que cresceu exponencialmente, pela própria questão do desenvolvimento do país e chegou a 4.140 projetos para a análise de 297 técnicos.

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