De um lado, uma fabricante produz uma máquina que consome menos óleo diesel. De outro, a concorrente aposta em motores movidos a etanol. A busca pela descarbonização e a adoção de tecnologias limpas na agricultura brasileira, especialmente o etanol, está ocorrendo de forma acelerada no país, seja para reduzir custos no campo ou para atender exigências cada vez maiores do mercado global.
Soluções que envolvem o uso de etanol, biodiesel, gás natural, eletricidade e biometano, com a consequente redução no consumo de combustível fóssil e a ampliação da oferta de energia limpa, ganharam espaço nas feiras agrícolas realizadas no primeiro semestre e em eventos promovidos pelas fabricantes.
Além de modelos mais econômicos, eles poluem menos e isso é importante para grandes propriedades rurais e também para as fabricantes, já que muitas vezes elas não produzem somente para o Brasil, mas também para atender mercados de América do Sul, Estados Unidos, Europa e países asiáticos.
A John Deere, uma das gigantes fabricantes de máquinas no mundo, apresentou neste ano o trator 8R equipado com motor a etanol. Depois de ser exibido como conceito no ano passado, agora ele teve avanços e está em fase de testes de campo no Brasil, com foco nos segmentos de cana-de-açúcar e grãos.
“A maior e melhor novidade é o trator com motor a etanol, protótipo, ainda fazendo vários testes para assegurar que quando venha a produção esteja 100%. [Gera] Redução de custo e pegada de sustentabilidade”, afirmou Cristiano Correia, vice-presidente de sistemas de produção da John Deere para a América Latina, sobre o lançamento levado à Agrishow (Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação), em Ribeirão Preto (a 313 km de São Paulo).
O foco em cana e em grãos tem uma explicação lógica: as usinas produzem etanol e onde há milho também há a geração do biocombustível a partir do grão. Já o trator foi escolhido por ser a máquina mais presente nas fazendas.
Segundo a fabricante, o motor foi calibrado com ajustes de software e o desempenho é semelhante ao do movido a diesel, mas contribuindo para a redução das emissões.
A Grunner, fabricante nacional, apresentou em abril um protótipo funcional de um motor movido pelo combustível derivado da cana, que deverá iniciar sua operação no segundo semestre, num laboratório a céu aberto da empresa. O modelo dispensa arla (solução de ureia em água desmineralizada usada nos veículos a diesel para reduzir a emissão de óxidos de nitrogênio).
O etanol também é o foco da Cummins, que lançou o conceito do motor B6.7 a etanol, que tem como objetivo operar com 100% de etanol hidratado (o que é vendido nas bombas dos postos de combustíveis). A fabricante também afirma que o motor conceito entregará desempenho equivalente ao de um motor diesel.
SANTO GRAAL
A transição energética para reduzir as emissões provenientes de motores a combustão, embora esteja ocorrendo de forma acelerada, não é imediata, já que os equipamentos tecnologicamente mais sustentáveis precisam de adaptações e muitos testes.
É o caso de uma parceria entre a Usina São Martinho, em Pradópolis, na região metropolitana de Ribeirão Preto, e a Case IH para testar a primeira colhedora de cana movida a etanol.
A primeira fase do projeto foi apresentada ainda em 2024 aos visitantes da Agrishow, com um protótipo do motor, desenvolvido pela FPT Industrial com Ciclo Otto, o mesmo dos carros flex. Depois, o motor foi para testes de bancada e introduzido numa colhedora Austoft 9000 para chegar ao campo.
Desde o início da década passada, porém, a fabricante já tinha iniciado testes, até chegar ao modelo atual, segundo Christian Gonzalez, vice-presidente da Case IH para América Latina.
“É uma máquina que começou a trabalhar na safra passada, no final da safra passada. E os resultados já foram muito promissores. E por que que eu falo que é importante, muito promissor? Porque a busca do Santo Graal do etanol não é uma coisa nova. Nós mesmos já fizemos testes lá atrás, com motor diesel convertido. Há um tempo atrás fizemos testes de tratores com híbrido diesel e etanol, a gente vem fazendo isso. Nós somos tão fortes no etanol, são grandes clientes nossos, e a demanda vem para a gente sempre”, disse. A marca também tem investido em outras alternativas, como o trator 100% elétrico.
A ampliação da presença dos motores movidos a etanol no agro é reflexo do pioneirismo do país no uso do combustível renovável, do fato de o Brasil ser um dos principais players no mundo e da busca pela sustentabilidade, segundo João Marchesan, presidente da Agrishow.
A New Holland, fabricante de tratores e colheitadeiras, lançou um trator utilitário elétrico com recursos autônomos, que se soma ao portfólio que inclui modelos movidos a gás, como o biometano, abastecido com o gás gerado por dejetos de suínos.
MODELO AÉREO
As fabricantes buscam consagrar um modelo que já foi adotado ainda em 2004 no agronegócio, mas não na terra. Naquele ano, a Embraer lançou o avião agrícola Ipanema movido a etanol, que tem, segundo a fabricante, cerca de 60% de participação no mercado agrícola.
Levado para feiras como a Bahia Farm Show, em junho em Luís Eduardo Magalhães (BA), o Ipanema teve mais de 180 unidades vendidas nos últimos três anos.
Mesmo fabricantes que priorizam motores a diesel têm buscado maquinários mais econômicos, que funcionem em baixa rotação e alto torque, para reduzir o consumo de combustível e as emissões de poluentes. Em média, segundo fabricantes ouvidos pela Folha, a redução no consumo do combustível fóssil é de cerca de 10%.
O agronegócio é responsável por 29% da oferta nacional de energia, de acordo com um estudo produzido pelo observatório de bioeconomia da FGV (Fundação Getulio Vargas). Quando analisadas só as fontes de energia renováveis, o índice chega a 60%.
A principal energia é a produzida a partir da biomassa da cana-de-açúcar, 16,87% do total, e a farta disponibilidade da planta principalmente no centro-sul torna o combustível derivado dela desejo das fabricantes de máquinas e equipamentos.
A projeção é que a produtividade das lavouras poderá dobrar até 2040 graças a investimentos que incluem novas variedades desenvolvidas com base em seleção genômica, inteligência artificial e edição gênica, combate a pragas e a implantação de um novo sistema de plantio que usa sementes sintéticas de cana.