/ Jun 30, 2025

Estado brasileiro é o grande patrocinador de desigualdades – 30/06/2025 – Michael França

É fácil se perder nos discursos que pintam o Estado brasileiro como um agente de redistribuição equitativa. Ao menos, ele deveria ser. Porém, quando olhamos com cuidado para sua atuação, percebemos que os números contam uma história menos heroica. Apesar da retórica, o sistema tributário e a alocação dos gastos públicos no Brasil funcionam, em boa medida, como um mecanismo institucional que retira recursos dos pobres e da classe média e os concentra entre os mais ricos.

A primeira distorção aparece na forma como o Estado arrecada. O Brasil é uma das economias que mais taxam o consumo e menos taxam a renda e o patrimônio. Enquanto, em países desenvolvidos, os impostos sobre heranças, grandes fortunas e dividendos cumprem o papel de mitigar a concentração de renda, por aqui o sistema prefere castigar quem consome itens essenciais da cesta básica. Desse modo, os mais desfavorecidos acabam pagando, proporcionalmente, uma fatia maior de sua renda em impostos do que os mais ricos. Ironicamente, são justamente os pobres e a classe média que fazem o maior esforço fiscal.

Se a tributação já é injusta na largada, o lado dos gastos públicos tampouco corrige a trajetória das desigualdades. Em certa medida, os gastos também são regressivos. Políticas sociais como o Bolsa Família e o novo programa Pé-de-Meia têm mérito e impacto positivo, mas representam apenas uma pequena parte do orçamento. Grandes volumes de recursos são canalizados para aposentadorias precoces, isenções fiscais para setores organizados e subsídios que, de forma direta ou indireta, beneficiam quem está no topo da pirâmide.

Tomemos como exemplo o sistema previdenciário: enquanto grande parte dos aposentados costumam sobreviver com apenas um salário-mínimo, setores como a elite do funcionalismo continuam usufruindo de aposentadorias que custam múltiplas vezes mais ao Estado. O mesmo padrão se repete em subsídios de crédito, incentivos fiscais e nas desonerações tributárias, que têm mais a ver com a manutenção de lobbies do que com a redução das desigualdades.

O resultado desse arranjo é uma estrutura que preserva os interesses de quem sempre teve as rédeas do sistema. A retórica do combate às desigualdades segue viva nos palanques e nas campanhas, mas a engenharia orçamentária revela um Estado que serve aos já atendidos.

Por isso, precisamos decidir se queremos continuar patrocinando as desigualdades ou se vamos encarar de frente as distorções que nos tornaram um exemplo mundial de injustiça social. A regressividade é fruto de escolhas reiteradas que revelam quem tem prioridade na distribuição de recursos.

Não é por acaso que as reformas mais estruturais, como uma verdadeira reforma tributária progressiva, o fim de isenções regressivas ou a revisão dos gastos com a alta cúpula do serviço público, raramente avançam. Quando o fazem, são frequentemente diluídas por pressões de grupos organizados.

Entretanto, se nada mais ousado for feito, continuaremos sustentando uma grande ficção: a ficção de que vivemos em um país que combate desigualdades, quando, na verdade, as institucionaliza e financia sua perpetuação.

O texto é uma homenagem à música Chan Chan, de Buena Vista Social Club.


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