Luciano Huck foi ao espaço sideral. Ao menos é isso que mostra um vídeo feito por inteligência artificial, compartilhado pelo próprio apresentador.

Entre preparos na espaçonave e simulações na gravidade zero, a voz dele diz: “Katy Perry foi ao espaço. Eu não. Esse vídeo foi roteirizado por uma equipe de seres humanos. Mas todas as imagens e o som que você ouviu aqui foram gerados por inteligência artificial.”

O vídeo foi ao ar no último domingo (22), durante a edição do programa “Domingão com Huck”, e agora estampa as redes sociais do apresentador e do IAV (Instituto Inteligência Artificial de Verdade) –motivo pelo qual a peça foi criada.

Apadrinhado por Huck, o IAV é um projeto sem fins lucrativos que quer promover a educação —ou “letramento”, como ele diz— sobre os usos da inteligência artificial.

O IAV divide os usos da IA entre “artificial de verdade” e “artificial de mentira”. O primeiro diz respeito aos empregos vistos como positivos, como ferramentas de trabalho e estudo; o segundo, aos que lesam a sociedade, como golpes, notícias falsas e manipulação de imagens. O objetivo é oferecer à população os conhecimentos necessários para identificar qual é qual.

O projeto irá promover campanhas e produzir conteúdo tanto em formato de vídeo quanto em relatórios, guias e materiais pedagógicos. Ele foi fundado pelo cientista da computação Evanildo Barros Junior e por Álvaro Machado Dias, neurocientista com livre-docência pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e colunista da Folha. O Instituto Locomotiva também está na lista de parceiros, entre outras personalidades e instituições.

“É uma iniciativa de urgência”, diz ele à Folha, conforme as eleições de 2026 batem à porta.

Huck afirma que a tecnologia pode ser usada para tornar o país e governos mais eficientes. Quando questionado sobre as intenções de disputar um cargo público no ano que vem, desconversa.

Como vê a inteligência artificial hoje?

Minha geração [Huck tem 53 anos] viu o lançamento da internet, no começo da década de 1990, depois teve a grande revolução de 2007, quando começaram os Androids e IOS que mudaram a forma com que nos relacionamos com a tela.

Nada disso chega perto do que estamos começando a experimentar com a inteligência artificial, que, depois da Revolução Industrial, é a maior revolução que a humanidade vai vivenciar do ponto de vista de transformação das coisas. Vai transformar nosso jeito de trabalhar, estudar, se relacionar. Estamos na pontinha do iceberg dessa transformação, e ainda não entendemos direito o que tá acontecendo.

E como foi sua chegada ao IAV (Instituto Inteligência Artificial de Verdade)?

O IAV é um movimento colaborativo. Não é meu. É feito por um grupo de gente multidisciplinar que entende o que está vindo por aí e se angustia um pouco, a começar com essa coisa de que a IA veio para destruir o mundo, o que não é verdade.

De um lado, a ideia é explicar para as pessoas como a IA vem para facilitar a vida. E de outro, sem a menor dúvida, quais são os perigos que ela traz. Não foi um movimento orquestrado por anos, planejado, não. É quase uma iniciativa de urgência. As pessoas não entenderam como a IA vai melhorar a vida delas; elas acham que é só para fazer post de Instagram, para traduzir texto ou para escrever um texto mais bonito.

Por outro lado, as ferramentas de checagem vão ser mais lentas do que as de produção ultrarrealistas. Precisamos conversar sobre isso de uma maneira que não fique limitado à elite econômica, intelectual e tecnológica do país.

Como vai acontecer esse letramento?

Como o Instituto Locomotiva está envolvido, vamos começar com uma grande pesquisa que possa produzir dados sobre o impacto das ferramentas na população e que seja focada na sociedade brasileira.

E depois produzir conteúdo acessível. É por aí?

É bem por aí. Ano que vem teremos eleição. Se a gente não chegar até outubro de 2026 com a população muito consciente do que a IA é capaz de fazer… O TSE [Tribunal Superior Eleitoral] pode proibir que candidatos usem inteligência artificial para produzir conteúdo, mas não dá para controlar todo o resto. As pessoas vão ter que estar muito atentas ao que elas estarão consumindo na eleição. Se a gente deixar isso para amanhã, é capaz de ser tarde.

Alguns partidos já estão inclusive se movimentando para usar a inteligência artificial como ferramenta de comunicação política. Não sei se o sr. chegou a ver…

O Senhor está no céu. Vai.

…não sei se chegou a ver, mas, no começo deste mês, alguns jornais investigativos estiveram em um seminário do PL [partido do ex-presidente Jair Bolsonaro], no qual executivos de big techs como Google e Meta instruíram os participantes, muitos deles influenciadores de direita e militantes do bolsonarismo, a usar essas ferramentas para a produção de vídeos e fotos ultrarrealistas. O que fazer diante desse cenário, onde as próprias big techs chancelam, de certa forma, o uso mais controverso da tecnologia?

Neste momento nos resta só o letramento. Quando falamos de partidos políticos ou de fundo partidário, você pode limitar juridicamente o que pode ser produzido com esses recursos nas campanhas em si. Não acho que vai ter tempo até a eleição para ter ferramentas de checagem automáticas. A pegada digital da IA não vai estar ainda tão clara para que as ferramentas de checagem te falem na hora o que tem IA e o que não tem. A checagem vai ser manual ainda.

E não cabe só ao IAV isso: é uma força-tarefa de toda a grande mídia, dos institutos de pesquisa, da sociedade como um todo, porque o perigo realmente existe. Não vai caber às big techs separar o joio do trigo nesse caso. Cabe ao TSE regular o que pode e o que não pode; e à sociedade, fazer um letramento claro e didático para que todo mundo entenda que vai ter imagens que você vai jurar que é verdade e que não são.

Um dos maiores desafios de produzir conteúdo online hoje é a disputa pelo tempo do usuário. O didatismo concorre com vídeos engraçados do TikTok, por exemplo. Mais do que ser um conteúdo acessível, como fazer com que seja acessado?

O vídeo está no ar há um dia e já tem 2,3 milhões de acessos. O conteúdo será consumido.

Para você, as plataformas ou produtoras precisam avisar que um conteúdo foi feito com inteligência artificial?

Depende. Na publicidade, na dramaturgia ou no cinema, eu acho que não, porque faz parte de uma história que você está contando. Se você filmou isso com a câmera, se você fez isso num “chroma-key” [fundo verde usado para efeitos de imagens] ou se você produziu inteligência artificial… Se não impactar nos conteúdos, você tem uma licença poética de produzir como quiser. Nos conteúdos de opinião ou jornalísticos, aí tem a obrigação de avisar que aquilo foi produzido de forma artificial.

Daí o desafio em diferenciar o que é IA e o que não é.

Exatamente.

Mas a tecnologia evolui muito rápido, o que torna a verossimilhança muito precisa. Quais são os desafios de acompanhar esse ritmo na hora do letramento, já que está ficando mais difícil de até vocês mesmos conseguirem identificar o que é IA e o que não é?

Você ainda precisa do elemento humano para conseguir diferenciar. A checagem automática é a corrida pelo ouro, vamos dizer assim, mas vai acontecer. Quando começaram os pagamentos pela internet, todo mundo tinha medo de fazer, e aí apareceram as ferramentas de checagem de pagamento, de segurança de rede, e isso aí virou uma commodity. Mas a internet de mentira vai ser mais rápida que as ferramentas de checagem, por isso a urgência no letramento.

Você comparou a inteligência artificial à Revolução Industrial. Esse potencial de transformação o assusta?

Acho que não… O ser humano sempre se adapta às mudanças. Quando veio a Revolução Industrial e o motor a combustão, tinha 200 mil charretes em Nova York. Os 200 mil charreteiros foram fazer outra coisa, os 200 mil cavalos voltaram para os campos. A sociedade vai se adaptando. Sempre foi assim e eu acho que não será diferente agora. E eu vejo enormes ganhos com a inteligência artificial entrando no nosso dia a dia. O Brasil, por si só, é um país muito ineficiente. Se você olhar o quanto a gente investiu em educação nesse último século versus o que a gente teve de ganho de produtividade… não faz muito sentido. A inteligência artificial vai nos ajudar a ter mais eficiência nos governos, nos sistemas de educação, no dia a dia. Vamos desperdiçar menos dinheiro e tempo.

Por falar nisso, ainda tem intenções de disputar algum cargo nas próximas eleições?

Acho que não cabe nessa conversa aqui.