O tempo está se esgotando para os negociadores comerciais norte-americanos e europeus que tentam fechar um acordo tarifário antes do prazo de 9 de julho estabelecido pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Por enquanto, ainda não está claro se a ameaça de Trump de impor uma sobretaxa de 50% sobre todas as importações vindas da União Europeia vai mesmo se materializar —nem como a UE reagiria a isso, possivelmente deflagrando uma guerra comercial transatlântica.
A política comercial de Trump deixou investidores globais mais cautelosos quanto à economia do país e fez crescer o interesse deles pela Europa, principalmente pela Alemanha, a maior economia do continente.
Enquanto o índice S&P 500 de Nova York tem registrado grandes oscilações desde que Trump assumiu a presidência, o índice Dax da Bolsa de Frankfurt tem crescido continuamente, com valorização até agora de mais de 15%. Além disso, o dólar norte-americano caiu 10% em relação ao euro. Também a libra esterlina e o franco suíço estão mais fortes.
SITUAÇÃO PREOCUPA FMI E BANCO CENTRAL DA ALEMANHA
O presidente do Banco Central da Alemanha, Joachim Nagel, advertiu sobre novas turbulências nos mercados financeiros caso a disputa comercial com os EUA não seja resolvida.
“Houve dias em que senti que não estávamos muito distantes de um colapso dos mercados financeiros”, afirmou Nagel no final de maio, ao comentar os efeitos do tarifaço global anunciado por Trump em abril, com queda de ações na Bolsa, dólar enfraquecido e alta de juros.
O FMI (Fundo Monetário Internacional) já fala em “sinais de esgotamento” da economia dos EUA, e alertou em seu relatório fiscal de abril que a dívida do país pode sair do controle.
Os déficits no orçamento norte-americano já são “grandes demais” e o governo precisa controlar sua dívida “crescente”, aconselhou a vice-diretora do FMI Gita Gopinath em entrevista ao jornal Financial Times.
A dívida dos Estados Unidos é de mais de US$ 36 trilhões (quase R$ 199 trilhões), segundo o Departamento do Tesouro americano —mais que 120% do PIB (Produto Interno Bruto) do país em 2024, e quase o dobro da taxa de endividamento da Alemanha. E o país se endivida mais a cada ano: em 2025, o déficit do orçamento dos EUA deve passar de 6,5%.
CADA VEZ MENOS CONFIANÇA NOS EUA
Para o economista alemão Hans-Werner Sinn, os EUA têm pouca margem de manobra para continuar no atual ritmo com suas dívidas. “Os americanos precisam se restringir. Esse padrão de vida, esse mundo de shoppings e poucas fábricas —não dá para manter isso indefinidamente”, afirmou o ex-presidente do instituto IFO de Munique.
Ralph Ossa, economista-chefe da OMC (Organização Mundial de Comércio), disse entender que os EUA estejam preocupados em reduzir o déficit da balança comercial com a UE. “Mas, do ponto de vista econômico, todos os economistas concordam que tarifas não são o instrumento adequado para isso”, ponderou.
Ossa comparou a estratégia dos EUA com a de uma pessoa que gasta mais do que ganha e se endivida. “Se eu, Ralph, tenho problemas com dívidas —por exemplo, porque comprei carros demais—, então é claro que taxar carros é uma possibilidade, para que eu não compre tantos. Mas não é o caminho mais direto para lidar com o problema”, analisou.
PERCEPÇÃO DA EUROPA E ALEMANHA “MUDOU COMPLETAMENTE”
A avaliação de que a política comercial e tarifária agressiva de Donald Trump assustou investidores e os fez olhar para a Europa também é endossada pelo chefe do banco estatal alemão de investimentos KfW, Stefan Wintels.
“Tenho visto em meus giros por Nova York, Londres e Zurique que o interesse de investidores internacionais pela Alemanha cresceu. Muitos investidores institucionais colocaram dinheiro demais nos Estados Unidos e gostariam de investir mais na Europa, principalmente na Alemanha”, disse Wintels em entrevista recente ao jornal alemão Handelsblatt.
Segundo ele, a percepção de investidores sobre a Europa e a Alemanha mudou completamente: “Nunca vi uma mudança no clima [de investimento] tão rápida em mais de 30 anos de carreira. Devemos fazer de tudo para aproveitar esse momento positivo.”
ATENDENDO AO CHAMADO DA EUROPA
A Europa também atrai pesos pesados internacionais, como a gestora de patrimônio Blackstone. O CEO da empresa, Steve Schwarzman, anunciou que investirá até US$ 500 bilhões (R$ 2,76 trilhões) no continente ao longo da próxima década.
Em uma época de volatilidade geopolítica, a Europa se torna cada vez mais atraente para investidores —também graças ao pacote bilionário de investimentos em infraestrutura e defesa na Alemanha aprovado em março pelo parlamento.
“Vemos uma grande chance aqui [Alemanha]”, comentou Schwarzman no início de junho à Bloomberg TV. “Eles estão mudando a abordagem, o que acreditamos que levará a taxas mais altas de crescimento.”
A Comissão Europeia também reconheceu a necessidade de fortalecer o mercado comum do bloco, com seus quase 450 milhões de consumidores.
De olho numa guerra global, o órgão quer cuidar dos “dez maiores obstáculos” ao seu comércio interno. E já fez as contas: para compensar uma perda de 20% nas exportações de bens aos EUA, bastaria aumentar o comércio interno em 2,4%, segundo um documento interno obtido pelo site alemão Table Briefings. Essa meta seria alcançada principalmente com a eliminação de barreiras burocráticas, facilitando a atuação de pequenas e médias empresas na UE.
NOVO IMPULSO PARA ACORDOS DE LIVRE COMÉRCIO
Além disso, em Bruxelas há cada vez mais vozes favoráveis à aceleração de acordos de livre comércio com parceiros como a Índia ou a Indonésia. A percepção geral é de que a UE não pode mais se dar ao luxo de perder décadas com essas negociações, como foi o caso do Mercosul.
Mas a Europa, em especial a Alemanha, já está colhendo os frutos da maior atenção dos investidores. A conferência SuperReturn International deste ano, realizada no início de junho em Berlim, atraiu milhares de investidores de peso, entre fundos de pensão, seguradoras e fundos estatais de todo o mundo que, somados, gerenciam cerca de 46 trilhões de euros (R$ 297 trilhões).
Anunciado como a maior conferência global de private equity (investimento em empresas de capital aberto) e venture capital (investimento em empresas de capital fechado), o evento atraiu representantes de empresas como BC Partners, Permira e Brookfield Asset Management —todos interessados em investir na Europa.
E a Apollo Global Management, de Nova York —que já investiu na Europa cerca de US$ 100 bilhões da sua fortuna de US$ 800 bilhões—, quer focar ainda mais na Alemanha pelos próximos dez anos.
“Vemos, somente neste país [Alemanha], a possibilidade de investir US$ 100 bilhões nos próximos dez anos”, disse o presidente da Apollo, Jim Zelter, ao Financial Times. Uma cifra que, nas palavras dele, é “difícil de igualar em outras partes do mundo”.