/ Jul 01, 2025

Ameaça de Trump tem pouco impacto no Brics, diz secretária – 30/06/2025 – Mercado

As ameaças do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, contra o bloco dos Brics tiveram um impacto limitado sobre a atuação do grupo durante a presidência brasileira, avalia a secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Tatiana Rosito.

Em entrevista à Folha, a embaixadora, que é responsável pelas negociações técnicas da área econômica, afirma que cresce o diálogo por convergência em um momento em que o multilateralismo está sob ataque, ainda que a expansão do grupo torne essa tarefa desafiadora.

Além do Brasil, são membros plenos do Brics Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã. A Arábia Saudita, convidada em 2023, nunca oficializou seu ingresso, mas tem escalado representantes para as reuniões. A cúpula ocorre nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.

Como esse momento de grande tensão global afeta o trabalho do grupo?

A reunião do Brics no Brasil cresce em importância. O Brics não se coloca como um grupo antagônico, pelo contrário, tem como uma das suas principais bandeiras o apoio ao multilateralismo, às Nações Unidas, e expressa muito vocalmente essa bandeira.

Como passar uma mensagem de defesa do multilateralismo contra medidas unilaterais sem prejudicar a relação dos países do Brics com os EUA?

Estamos buscando valorizar o Brics, primeiro, como um grupo que atrai a atenção dos países em desenvolvimento, tendo como uma das prioridades o fortalecimento institucional. O Brics, na mesma medida em que cresce, é um grupo que evolui. A presidência brasileira vai ainda revalorizar o papel do Brics, não só em defesa do multilateralismo, mas também com reformas nas instituições financeiras internacionais, que deem mais voz e participação para esses países, além de incentivar também a ampliação das relações comerciais, econômicas e políticas entre os próprios países do Brics, incluindo os novos membros.

As ameaças de Trump moldaram de alguma forma como o Brasil pensou a presidência do Brics? Houve impacto, por exemplo, na discussão sobre o uso de moedas locais no comércio internacional?

O impacto foi bastante limitado porque a agenda Brics na área financeira já estava basicamente traçada. Ela inclui temas de facilitação de comércio por meio de inovações em sistemas de pagamento. O olhar do Brics é para expandir o fluxo de comércio de investimentos intra-Brics, buscando entender melhor como reduzir custos e favorecer transações entre esses países.

Também é uma agenda de engajamento nas instituições financeiras tradicionais, buscando uma atuação mais estratégica dos representantes do Brics para tratar dos temas das organizações, sem descuidar dos mecanismos financeiros criados pelo próprio grupo e que estão completando dez anos: o acordo contingente de reservas [uma espécie de fundo de salvaguarda para os países do Brics] e o Novo Banco de Desenvolvimento.

Quais são as inovações?

Pela primeira vez no Brics estamos tratando de mecanismos inovadores para financiamento climático e um diálogo para a COP30 [30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, que acontecerá em novembro em Belém]. É prioridade da presidência discutir a reforma dos bancos multilaterais, dos fundos climáticos, mecanismos de financiamento, mobilização de capital privado, mercado de carbono, taxonomia, legislação prudencial. Toda a agenda da COP30 na área financeira também está sendo discutida com o Brics. O Brics não é um grupo negociador nessa área, mas nós estamos buscando construir convergência.

Tem uma força-tarefa de PPPs [parcerias público-privadas]. Nós estamos tratando de impulsionar mecanismos de blended finance [modelo de financiamento misto, com capital público e privado] e de mitigação de risco cambial, a exemplo do Eco Invest [programa do governo brasileiro para atrair investimento privado para áreas como indústria verde e recuperação de biomas]. Apostar em instrumentos que possam facilitar o fluxo de capital para os países em desenvolvimento e para a transição climática é hoje bastante central nas discussões.

Com relação a esses instrumentos, qual é o papel do Brics?

Primeiro, o caminho do diálogo, estreitar brechas de conhecimento e saber quais são os problemas que enfrentamos. Por exemplo, ter experiências de países que são líderes na área de investimentos em equipamentos e energia renovável, como a China; na área de digitalização, como a Índia; e na área de soluções baseadas na natureza, como a Indonésia.

Depois, construir convergências nos mecanismos multilaterais, entender quais são os temas em que a gente deve concentrar a nossa atuação. Por exemplo, buscar convergência na reforma dos bancos multilaterais, uma agenda de facilitação de operações e ampliação de capital desses bancos.

Uma terceira área é a da cooperação concreta. Na área financeira, o Novo Banco de Desenvolvimento [o banco dos Brics] e o arranjo contingente de reserva [mecanismo ao qual um membro pode recorrer se enfrentar dificuldades em seu balanço de pagamentos] são instrumentos concretos do Brics. O banco já está completando o seu décimo ano e vem crescendo como um instrumento de financiamento a infraestrutura e desenvolvimento sustentável. Um dos temas tratados é a possível criação de um mecanismo de garantias do Brics, que vai ampliar o papel do banco e permitir viabilizar investimentos de mais longo prazo nas áreas de transição energética, economia circular, infraestrutura sustentável e outras.

Como seria esse mecanismo?

Em geral, são mecanismos que reduzem o risco de um projeto ou de uma parte do projeto, fazendo com que ele possa, então, ter um custo de capital menor e atrair mais investidores. As garantias podem cobrir várias questões, desde riscos políticos, riscos comerciais, riscos de construção. O tema é discutir que tipo de garantias você pode dar.

A expansão do Brics trouxe mais convergência ou dificuldade para obter consenso sobre a reforma do sistema financeiro internacional?

O Brics tem uma agenda voltada para ampliação do peso dos países em desenvolvimento na agenda dos organismos financeiros. Ela [expansão] pode reforçar [a agenda]. Um agrupamento maior passa a ter cooperação por essa reforma comum. Ela traz também diversidade para o grupo.

Com a posição do governo americano, uma reforma para um sistema financeiro internacional mais justo fica mais difícil?

Mudanças específicas no peso dos países nas instituições, no fundo, são mais delicadas nesse momento. Por outro lado, a agenda também se expande. Na hora que você tem um dos países unilateralmente tomando medidas, você também tem os outros países buscando dialogar e se unir sobre outras posições comuns. Mecanismos alternativos podem ganhar mais peso, [maior] diálogo entre os países, são temas que ganham relevo no momento em que você tem o multilateralismo enfraquecido e sob ataque.

Muitos dos temas em que a gente precisa avançar continuam dependendo de decisões comuns, seja nas mudanças climáticas, no tema da fome, das pandemias, de um sistema financeiro e comercial mais justo.

Através de declarações na área de ministros das Finanças, o Brics vai se pronunciar sobre a reforma da governança das instituições financeiras e sobre temas relativos à questão tributária. O Brics vai ter instrumentos e documentos específicos na área de cooperação tributária internacional.

Como conseguir avanço no debate de financiamento climático em um grupo com países exportadores de petróleo? Como o Brics pode ser uma ponte com a COP30?

Manifestar posição relativa à necessidade de ampliação do capital dos bancos, de alavancagem de recursos privados, mostrar a insuficiência do acordo atual, como chegar a US$ 1,3 trilhão previsto no roadmap Baku [sede da última COP] a Belém. Mostrar que precisa de uma combinação de muitos instrumentos.

No momento em que você tem um refluxo da ajuda concessional [recursos a juros menores do que os de mercado] ao desenvolvimento, o Brics também se manifesta pela importância de endereçar esse tema, porque os recursos concessionais são fundamentais para um ambiente em que você tem que investir em tecnologias inovadoras, em situações de maior risco climático.

O que seria uma presidência bem-sucedida na área financeira?

Nós gostaríamos de entregar um comunicado que mostra convergência do Brics expandido, em torno de elementos cruciais para os países em desenvolvimento, não só de reforma das instituições financeiras internacionais, mas também de maiores recursos concessionais, instrumentos inovadores para a transição climática e contribuição das economias avançadas em termos de recursos concessionais.

Uma agenda que mostre consolidação, mesmo num Brics ampliado, que vai continuar a trabalhar para o fortalecimento dos instrumentos intra-Brics, do Novo Banco de Desenvolvimento, do acordo contingente, de maior integração dos mercados de capitais, em áreas novas como resseguros [seguro das seguradoras]. Mostrar, sobretudo, que diante de um mundo com maiores desafios, em que o multilateralismo é questionado, o Brics continua aparecendo como uma força, ao mesmo tempo, transformadora e de estabilidade.


RAIO-X | TATIANA ROSITO, 52

Embaixadora e secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, responsável pela coordenação das negociações da área econômica do Brics. É economista e diplomata de carreira, com experiência no setor público e em organizações internacionais. Foi consultora do Novo Banco de Desenvolvimento e representante da Petrobras na China.

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