Como os fractais, os problemas do Brasil repetem um padrão do micro ao macro. E esse padrão é focar em soluções individuais, esquecer o coletivo e não pensar nas consequências. Sonhamos com condomínios fechados, carros blindados, planos de saúde e escolas particulares –enquanto temos medo de andar nas ruas. E agora nesse sonho ainda colocamos carros elétricos importados abastecidos por painéis solares também importados —tudo suportado por isenções e subsídios transferidos aos outros.
A energia limpa, segura e barata é uma das maiores vantagens comparativas do Brasil e poderia ser a base de uma estratégia de desenvolvimento que alcaçaria a todos. E ela vem sendo destruída sistematicamente para atender aos mais diversos lobbies.
Nas últimas semanas, duas pautas colocaram em xeque essa oportunidade. A primeira, a derrubada de alguns dos vetos aos “jabutis” inseridos na lei das eólicas offshore, que, para atender a alguns interesses políticos e econômicos impõem a todos custos injustificáveis e favorecem fontes mais poluentes e caras. A segunda ronda a medida provisória nº 1.300, que tem o objetivo de modernizar o setor elétrico.
A MP traz avanços importantes: abre caminho para um mercado mais livre e eficiente, com aprimoramentos na gestão de contratos e na cobrança de encargos. Enfrenta subsídios históricos que distorcem preços e prejudicam os consumidores. Esses pontos merecem reconhecimento. Mas, ao mesmo tempo, a proposta transfere para a indústria —especialmente a que compra energia no mercado livre— custos significativos de políticas públicas, inclusive nova subvenção que vai zerar a conta de 60 milhões de brasileiros.
No mérito, ninguém discute a importância de acolher os brasileiros mais vulneráveis garantindo justiça tarifária na conta de luz. Mas, para que seja realmente justa, a medida precisa considerar suas consequências para as pessoas na conta de luz e também no preço de tudo o que se produz aqui. O ganho não pode se perder travestido no preço do litro de leite, do caderno e da camiseta. Hoje, 23% da cesta básica estão atrelados à energia. Ao repassar esses custos à indústria, corre-se o risco de encarecer a vida de quem se queria proteger.
Em vez disso, precisamos de uma solução estrutural: que os benefícios sociais sejam custeados por mecanismos amplos, transparentes e sustentáveis —como os fundos sociais já existentes e o próprio orçamento da União— e que a transição energética foque na competitividade da energia e em seu consumo, e não na oferta a qualquer custo.
Hoje mais da metade do custo da energia corresponde a políticas públicas, encargos e taxas, implícitas e explícitas, e eles se acumulam e multiplicam nas cadeias produtivas, sem compensações que aconteceriam se eles fossem tratados corretamente como tributos.
A MP 1.300 pode ser um marco na construção de um setor elétrico mais moderno, justo e eficiente. Mas, para isso, precisa ser aperfeiçoada no Congresso Nacional. A indústria nacional, por meio de suas associações, federações e da CNI (Confederação Nacional da Indústria), tem demonstrado uma inédita unidade na defesa da competitividade do país. Além de corrigir distorções, devemos construir uma agenda positiva, que proteja o Brasil da desindustrialização e o projete como potência verde no cenário global.
A energia pode ser o motor de uma nova economia beneficiando a todos. Mas, para isso, precisamos escolher a todos, não a alguns, e pensar sempre nas consequências.