A cúpula da Câmara dos Deputados se incomodou com o discurso do presidente Lula (PT) e de integrantes do governo que classifica o Congresso como defensor dos ricos, enquanto o governo petista estaria a favor dos mais pobres, e passou a cobrar uma pacificação, com o alerta de que o “pacote eleitoral” prometido para 2026 depende do Legislativo.
Lula pretende melhorar sua popularidade e chegar com mais força para a reeleição sustentado por um pacote de ações, como a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000, a ampliação do auxílio-gás e da gratuidade da conta de luz para mais famílias, além do fortalecimento do Susp (Sistema Único de Segurança Pública).
Esses projetos todos estão no Congresso, com maior ou menor grau de dificuldade. Deputados aliados ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), dizem que um atrito maior com os parlamentares poderá comprometer o clima para votar essas medidas.
O relatório do projeto de lei do Imposto de Renda, por exemplo, já teve a apresentação adiada pelo relator, deputado Arthur Lira (PP-AL), e agora não tem data definida para divulgação. Há um impasse sobre a forma de bancar a proposta. O governo defende criar um imposto mínimo sobre rendas acima de R$ 50 mil mensais, mas parte do Congresso é contra.
O adiamento ocorreu após a Câmara e o Senado derrubarem na quarta-feira (25) o decreto que aumentou o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para elevar a arrecadação. O Executivo avalia agora se recorre ao Judiciário para manter o aumento do imposto ou se promove novos cortes em investimentos, verbas dos ministérios e emendas parlamentares.
Mas, paralelamente a isso, Lula adotou a estratégia de acusar o Congresso de estar ao lado dos mais ricos, enquanto o governo busca beneficiar os mais pobres. Nesta segunda (30), em ato no Palácio do Planalto, o presidente citou o pacote de medidas e afirmou que quer “fazer com que esse país se transforme num país justo”.
“Nós vamos continuar fazendo justiça social. Podem gritar, podem falar, mas chegou o momento de fazer justiça pelo Brasil”, apoiou o ministro Fernando Haddad (Fazenda).
As falas ocorreram após Motta gravar um vídeo para rebater as críticas e afirmar que “quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos”. Ele ainda disse que “a polarização política tem cansado muita gente, agora querem criar a polarização social”.
Nos bastidores, dois aliados de Motta defendem que o confronto com o Congresso deve ser evitado porque o governo também precisará contar com o presidente da Câmara e com sua base para controlar os trabalhos da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) dos desvios no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Outro assunto que os ataques podem enterrar de vez, segundo esses deputados, é a medida provisória que aumenta impostos sobre bets, fintechs e investimentos hoje isentos. Parte dos aliados de Motta afirma, porém, que essa proposta já enfrenta muita resistência no Congresso e que os ataques mudam pouco o clima de rejeição.
Motta procurou aliados desde o fim de semana para combinar uma estratégia conjunta em defesa do Legislativo e enviar emissários ao governo em busca de desmobilizar a pressão contra o Congresso nas redes sociais.
Líder do União Brasil na Câmara, o deputado Pedro Lucas (MA) afirma que o “diálogo é a melhor forma de solucionar os problemas” e que o embate é ruim para os dois lados. “Não sinto que o presidente Hugo quer esticar a corda. Sinto que ele quer sentar, mas com responsabilidade e com honestidade para discutir o problema das despesas”, diz.
Já governistas dizem que não buscaram o embate e que a resposta do PT e do Executivo é uma reação natural à resistência do Legislativo às pautas.
O PT divulgou na última semana um vídeo sobre pagamento de impostos no qual fala que o governo vai “passar a taxar quem sempre pagou pouco ou quase nada: os super-ricos”.
Um auxiliar de Lula afirma que não há uma cruzada contra o Congresso, muito menos contra Motta, mas que o governo não vai abandonar uma agenda que considera prioritária —e que ela não deve ser encarada como uma agenda contra os parlamentares.
Outro aliado do petista diz que fazer uma disputa política não significa romper com o Congresso. Ele afirma que uma diz que não interessa ao Palácio do Planalto gerar ruídos com os parlamentares.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), minimizou as críticas de que o governo estaria tensionando a relação com o Congresso ao defender justiça tributária.
“Direito dele [Motta] de responder, a gente também pode se posicionar. Não é subir o tom, é explicar a nossa posição, o governo precisa explicar a posição que tem para as pessoas entenderem. Não é necessariamente subir o tom”, disse a jornalistas nesta segunda, em evento.
Wagner também disse que esse clima de tensionamento “não deveria” comprometer a pauta do governo no Congresso e citou a reunião do dia 8 de junho em que parlamentares, presidentes das duas Casas e ministros discutiram alternativas ao decreto do IOF.
“O que estamos fazendo fora das normas? Nada. É bom lembrar que foi feita uma coisa acordada, vocês foram testemunhas na saída [da reunião] daquele domingo. Ali saiu o texto. A rapidez que resolveram derrubar o texto depois de ter havido… Houve um primeiro texto que foi retirado e feito um segundo mais brando, de acordo com a demanda. Mas eles resolveram ir com o PDL [projeto de decreto legislativo]”, disse Wagner.