Os peritos federais do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) passarão a definir a duração do auxílio-doença que for concedido sem atendimento médico presencial, após a reformulação do Atestmed que está sendo elaborada pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em entrevista à Folha, o secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, Adroaldo da Cunha Portal, antecipa que o sistema online, criado para permitir a concessão de benefícios por incapacidade temporária só com análise de atestado médico e laudos enviados pelo trabalhador, terá novas regras a serem implementadas nos próximos 60 dias. “Vamos ter esse modelo em funcionamento no início de setembro”, diz.
Um dos princípios centrais da mudança é permitir que o perito analise o mérito do pedido protocolado por meio do Atestmed. Hoje, o INSS avalia a conformidade dos documentos apresentados, isto é, se eles são fidedignos, contêm as informações exigidas (como indicação da patologia que provocou o afastamento) e foram assinados por médico devidamente habilitado para o exercício da atividade.
“O perito avaliará não apenas a conformação do atestado, mas vai verificar qual é a patologia apontada, se o tempo de afastamento é compatível com a bibliografia médica ou mesmo se aquela patologia apontada tem mesmo o potencial incapacitante”, afirma Portal.
Hoje, para os auxílios concedidos sem a perícia presencial, o período de afastamento e, consequentemente, a duração do benefício por incapacidade são definidos pelo médico do paciente, que emite o atestado em favor do segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Agora, a palavra final será do perito médico federal. Se ele entender que a doença apontada gera uma necessidade de afastamento menor do que a indicada no atestado, ele reduzirá o período de duração do benefício. O profissional também terá autonomia para estender o prazo, caso julgue necessário diante do caso concreto.
Os peritos ainda poderão indeferir o benefício solicitado via Atestmed, algo que hoje não é possível.
“Hoje, quando o perito entende que, daquela lista de pressupostos de conformação, nem todos estão atendidos, ele encaminha para uma perícia presencial. Ele não pode fazer juízo de valor. Por mais que ele entenda que o caso seja de indeferimento, ele não indefere. No novo modelo, ele fará uma análise médica, técnica, assim como na isenção de Imposto de Renda e na aposentadoria especial [também realizadas a partir da análise de documentos] e tomará uma decisão. Se a decisão dele for de que não há comprovação de incapacidade, ele indeferirá o benefício”, afirma o secretário.
As mudanças vão permitir que o governo ajuste a duração dos benefícios conforme a incapacidade do segurado apenas com a análise documental. A avaliação do governo é que a medida ajudará a evitar eventuais abusos.
Como mostrou a Folha, o Executivo já vinha mapeando patologias com crescimento atípico no Atestmed, entre elas as chamadas doenças osteomusculares, que incluem as dores nas costas (dorsalgias).
No ano passado, foram concedidos 843,2 mil benefícios para pessoas com esse tipo de incapacidade, alta de 86,3% em relação a 2023 (452,5 mil). A variação superou o aumento de 50,9% observado na concessão total de auxílios-doença, o que mostra o descolamento desse tipo de CID (Classificação Internacional de Doenças).
Além disso, uma análise preliminar feita pelo INSS em abril do ano passado apontou que a duração do benefício para doenças osteomusculares era de 93,4 dias para concessões via Atestmed, acima dos 82,77 dias observados a partir das perícias presenciais. Ou seja, o segurado que apresenta apenas o atestado acaba tendo a renda por mais tempo. Na maioria dos outros códigos, o quadro era inverso.
A Previdência também acredita que o novo modelo vai otimizar os recursos sem pressionar a fila para atendimento nas agências.
No início de junho, o governo editou uma MP (medida provisória) para reduzir de 180 para 30 dias o prazo máximo de duração do auxílio-doença concedido via Atestmed. A mudança, concebida para reduzir gastos, poderia impulsionar a fila da perícia médica a um patamar inédito de 3,6 milhões até o fim de dezembro se implementada de forma imediata, como mostrou a Folha.
Em 1º de maio, essa fila já estava em 1,036 milhão. Antes das mudanças, a previsão era que ela chegasse a 2,092 milhões até o fim do ano, devido a gargalos operacionais já existentes.
Uma semana depois da MP, Previdência e INSS publicaram uma portaria conjunta para ampliar para 60 dias o prazo de duração do benefício concedido via sistema. “A adoção da portaria foi porque o Ministério da Previdência entendeu que um Atestmed de 30 dias, agora, era inexequível. Ia gerar um crescimento muito significativo da fila”, diz o secretário.
A regra, porém, é transitória e vale por 120 dias. Antes mesmo do fim desse prazo, a intenção do governo é publicar as novas regras do sistema.
“A partir do novo modelo, esses prazos [de duração máxima do benefício] serão revistos. Vamos encontrar qual é o tempo de duração ideal para o Atestmed, se é 60 ou 90 dias”, afirma Portal.
Segundo ele, as mudanças devem garantir economia de recursos, não só por ajustar o prazo dos benefícios, mas também por manter a análise mais ágil. A Previdência ainda está rodando as novas projeções, mas Portal afirma que as medidas devem ser suficientes para estancar o crescimento da fila de perícias a partir de setembro e, depois, progressivamente reduzi-la.
Caso um número maior de pedidos migrasse para a perícia presencial, o governo teria aumento de despesas, pois precisaria remunerar a espera do segurado. Cálculos do INSS mostram que a duração média do auxílio-doença concedido pela perícia presencial é de 323,6 dias —cinco vezes a média de tempo do benefício por incapacidade aprovado apenas via análise do atestado médico (63,3 dias).
Além disso, a expectativa da Previdência é que o novo modelo reduza ainda mais o tempo médio de espera pelos benefícios que dependem de perícia presencial, pois 30% a 35% dos pedidos de auxílio-doença não são validados no Atestmed e migram para a fila, uma vez que o perito não pode indeferi-los via sistema.
“Isso acaba sobrecarregando a capacidade operacional do INSS. Agora, a perícia médica não vai empurrar mais para a fila presencial. Ela tomará uma decisão, e ninguém mais preparado para uma decisão desse tipo do que o perito médico federal, que é um especialista em capacidade laboral”, afirma o secretário.
IDAS E VINDAS NO ATESTMED
11 de junho: Governo edita uma MP para limitar a 30 dias o prazo de duração do benefício por incapacidade temporária concedido via Atestmed. Antes, o tempo máximo era de 180 dias. A MP foi assinada pelo presidente Lula e pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Esther Dweck (Gestão).
18 de junho: Previdência e INSS publicam uma portaria conjunta para flexibilizar o prazo máximo de duração do auxílio-doença via Atestmed. Com a norma, o tempo poderá ser de até 60 dias. A regra, porém, é transitória e vale por 120 dias. O texto regulamenta um dispositivo da própria MP, que autorizava a previsão de exceções “de forma justificada e por prazo determinado”.
Próximos 60 dias: Previdência e INSS vão reformular as regras do Atestmed, para que o perito médico possa, a partir dos documentos apresentados, decidir sobre o mérito do pedido. Isso significa ajustar o prazo de duração do benefício ou até mesmo indeferir o requerimento. Hoje, essas mudanças não são possíveis. A partir do novo modelo, a expectativa é que a duração dos benefícios concedidos pelo sistema fiquem entre 60 e 90 dias, mas isso ainda será alvo de discussão.