Os pagamentos que os servidores do Judiciário receberam que excedem o teto constitucional somaram mais de R$ 10 bilhões em 2024, de acordo com um estudo divulgado nesta terça-feira (1º) pelo Movimento Pessoas à Frente em parceria com o pesquisador Bruno Carazza, com base em informações do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).
A despesa aumentou 49% em relação ao valor do ano de 2023, quando foram pagos cerca de R$ 7 bilhões.
Os supersalários são as remunerações que ultrapassam o teto constitucional do serviço público brasileiro –hoje em R$ 46.366,19.
Servidores de algumas carreiras recebem mais do que esse valor com os penduricalhos, que são auxílios classificados como verbas indenizatória, mas cuja natureza é pouco clara. Essas verbas indenizatórias não são contabilizadas dentro do valor do teto.
“Para uma verba ser classificada corretamente como indenizatória, ela deve atender a três critérios básicos: ter natureza reparatória, ou seja, ressarcir o servidor de despesas incorridas em função do trabalho, ter caráter eventual ou transitório e ser criada por lei”, diz Jessika Moreira, diretora executiva do Movimento Pessoas à Frente.
Ela dá exemplos: ressarcimento por despesas com plano de saúde e 13º salário deveriam ser classificadas como remuneratórias, ou seja, o valor precisaria ser incluído no limite do teto constitucional e incidindo no Imposto de Renda.
De acordo com o estudo, “o Brasil se depara com uma corrida para além do teto, talvez a mais acirrada e mais bem estruturada na trajetória recente da nossa democracia que, para além do impacto orçamentário, expõe a opacidade das informações remuneratórias do sistema de justiça e as mazelas da ‘lei do mais forte’”.
Essa “corrida” acontece porque a média do subsídio foi de R$ 36,7 mil no ano passado, relativamente próxima do teto. Ou seja, um juiz em início de carreira já está perto do topo da remuneração permitida por lei.
A média do pagamento líquido ultrapassa o teto, ela chegou a R$ 66,4 mil em fevereiro de 2025, um recorde histórico.
Na publicação, afirma-se que 0,06% dos servidores recebe mais do que o máximo regular, e há uma concentração no sistema de Justiça –93% dos magistrados e 91,5% dos promotores e procuradores do Ministério Público recebem regularmente rendimentos acima do teto
O levantamento aponta uma evolução do quanto os penduricalhos representam do total dos pagamentos dos juízes e nota-se uma tendência de crescimento a partir do fim de 2020, quando era uma proporção muito baixa, até janeiro de 2025, quando eles ultrapassam 40%.
O Transparência Brasil está atualmente fazendo um levantamento dos valores dos pagamentos no Ministério Público, mas, diferentemente da Justiça, que permite que essas informações sejam recolhidas de forma automática, os dados precisam ser recolhidos um a um.
Juliana Sakai, diretora executiva do Transparência Brasil, afirma que, dada a situação fiscal do país, o pagamento além do teto não é aceitável. “Diante disso, vamos continuar legalizando os supersalários? Existe um movimento para tratarmos da reforma administrativa e da questão fiscal e, se não conseguirmos fazer isso agora, só será possível se o país quebrar.”
O professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Jean Menezes de Aguiar diz que um dos problemas com os supersalários do Judiciário é que outros poderes buscam equiparação. Ele citou um projeto no Senado que dá a algumas categorias de servidores uma folga a cada três dias trabalhados, o que abre a possibilidade de pagar caso essa folga não seja usufruída. “O Senado se defende com o argumento de que o Judiciário Federal e o MPF têm esse sistema”, diz ele.
Para Ana Pessanha, do República.org, não há comprovação empírica de que pagamentos além do teto melhoram o desempenho do Judiciário. Segundo ela, esse dinheiro poderia ser usado, por exemplo, para modernizar a gestão ou até para contratar mais gente.
Além disso, ela afirma, há também uma questão de incentivos aos servidores que não são agentes de poder: a maioria dos funcionários públicos fica desmotivada com essa concentração de renda.