A expectativa era chegar a Bariloche e ver neve por todo lado. Não caiu nenhum floco nos quatro dias da viagem, mas não fez falta. Mesmo com as pistas de esqui fechadas e sem poder andar de trenó nem fazer bonecos de neve, havia muito para ver ou fazer na cidade, que fica na parte argentina da Patagônia.
Para começar, há a paisagem. Predominam edifícios baixos, e os topos das montanhas da cadeia dos Andes, alguns cobertos de neve, estão sempre visíveis, quando não está nublado.
Um gigantesco lago, o Nauhel Huapi (a pronúncia é nauel uapi), com cerca de 550 km², banha a cidade e serve, em diferentes pontos, para navegação turística, canoagem, kite surf, iatismo, windsurf e outras atividades. Para fãs de pescaria, há trutas por lá.
É meio surpreendente a diversidade de paisagens da região —e quão perto ficam coisas tão diferentes como florestas úmidas e um quase deserto, com vegetação rasteira e uns poucos arbustos. No meio disso, belos bosques em que se destaca o coihue, árvore gigante nativa que chega a 45 metros de altura.
Martina Gelardi, diretora de planejamento estratégico da Emprotur, órgão de turismo de Bariloche, não se cansa de dizer que a cidade incorporou o apelido Brasiloche, pela quantidade de brasileiros que vão para lá.
Quem trabalha em serviços turísticos fala um certo portunhol, e não é difícil encontrar gente que estudou o idioma dos brasileiros para melhorar o atendimento. Outra boa notícia é que em muitos lugares os pagamentos podem ser feitos via pix, eliminando a necessidade de fazer câmbio ou usar cartão de crédito.
Martina defende as atrações locais para diferentes estações do ano, destacando as atividades na natureza nos meses mais quentes, entre elas as que aproveitam as águas do Nahuel Huapi e as múltiplas trilhas nos bosques de Bariloche.
A cidade é cercada pelo parque nacional Nahuel Huapi, de cerca de 710 mil hectares, que inclui montanhas dos Andes, a grande atração do inverno. É lá também que fica a maior estação de esqui da América Latina, a Catedral Alta Patagonia, mais conhecida como Cerro Catedral.
A cerca de 20 km do centro da cidade, tem 27 meios de subir até 58 pistas (15 para principiantes, 25 de dificuldade média, 12 avançadas e 6 para especialistas), que somam mais de 100 km.
Martina, da Emprotur, dá a dica para os brasileiros que pretendam aprender a esquiar: reservar três dias para a tarefa.
O primeiro deve ficar dedicado a se acostumar às roupas de neve e aos esquis —e a cair. No segundo, a ideia é aprender as manobras básicas, principalmente frear. Aí, no terceiro, chega a hora de subir a montanha de verdade e experimentar as primeiras descidas.
Quem não quiser a adrenalina do esqui tradicional pode optar pelo esquibunda (a versão gelada praticada nas dunas do Nordeste), só escorregando na neve da montanha de Cerro Otto, ou o trenó para descer suas encostas.
Quem for com crianças pode experimentar o parque de Piedras Blancas, que também oferece descidas de trenó. Há mais opções para quem ama a neve, como caminhar sobre ela calçando raquetes ou percorrer as montanhas em motos de neve.
Martina destaca que há muitas opções de gastronomia na cidade, graças em parte ao concurso anual de gastronomia, em outubro. Chefs de diferentes estilos e formações capricham para ser premiados e eventualmente incluem os pratos vencedores no menu de seus restaurantes.
Bem escondido, a cerca de meia hora do centro, o Ánima oferece um menu enxuto, com duas opções de entrada, duas de prato principal e duas de sobremesa (dá para ter um jantar vegano). O que é servido varia conforme a época do ano, os produtos locais disponíveis e a imaginação dos donos e chefs, Florencia Lafalla e Emanuel Yáñez García.
Há boa carne em dezenas de restaurantes, alguns muito bons, caso do Asados Alto El Fuego, com duas unidades, uma bem pequena, no centro de Bariloche, e outra, maior, charmosa, na estação de trem da cidade.
O belo prédio que abriga a estação é criação do arquiteto argentino Alejandro Bustillo, responsável também pelo projeto da catedral de Bariloche e da sede do resort Llao Llao (pronuncia-se chau chau), um ótimo lugar para tomar o chá das cinco com vista para as montanhas e o lago.
Llao Llao, que dá nome ao hotel, é um fungo colhido em árvores dos parques da região de Bariloche. Llao significa doce, explica a guia. Llao llao, portanto, seria algo como doce doce. Não é tão doce assim, mas rende boas geleias e um blend com chá preto oferecido no resort.
Bariloche abriga mais de 30 produtores de cervejas artesanais, que têm como trunfo a água puríssima das geleiras ao redor. E vale a pena procurar também uísque e gim produzidos na região, além de bons vinhos da Patagônia, como os Araucana.
Em boa parte do inverno, fica mais fácil chegar a Bariloche. Em julho e agosto, a Gol tem três voos semanais para a cidade, saindo de Guarulhos às segundas, quartas e sextas.
Aerolineas Argentinas e Latam também oferecem voos diretos de São Paulo, e a Azul, de Campinas, Belo Horizonte e Porto Alegre. Outra opção, é claro, é ir via Buenos Aires.
Dá para levar menos bagagem alugando roupas de neve nas dezenas de lojas especializadas de Bariloche. O truque serve também para quem não vai se aventurar nas encostas das montanhas.
Os casacos, calças e botas especiais para o frio não são muito elegantes, mas mantêm o corpo aquecido (até demais quando se entra nas lojas, cafés, hotéis e outros locais turísticos, sempre com a calefação regulada para fazer suar —é incrível que o bom chocolate de Bariloche não derreta nas vitrines das docerias).
O nome do grande lago de Bariloche, o Nahuel Huapi, é um daqueles enganos típicos de colonizadores que chegam a algum lugar sem falar a língua dos nativos e trocam alhos por bugalhos.
Alguém apontou para o lago e perguntou seu nome, o interlocutor achou que a dúvida fosse sobre uma ilha, essa sim Nauhel Huapi (ilha da onça), e a confusão se formou. E apesar de ter onça no nome, o símbolo do parque nacional Nahul Huapi é uma lontra da Patagônia, o huillín.