Quando Carlo Ancelotti chegou ao Brasil para assumir o comando técnico da seleção brasileira, logo pensei: quero saber mais sobre ele. Bem mais que os títulos conquistados, que o gabaritam para dirigir qualquer time do mundo.
Como? Pela literatura. Em uma busca na internet, achei “Carlo Ancelotti: Liderança Tranquila” (2017), de autoria do próprio, de Chris Brady e de Mike Forde, que traz depoimentos do italiano.
A narrativa inclui relatos das duas primeiras décadas de Ancelotti como técnico, desde a Reggiana, em 1995, até o Real Madrid, em 2015.
Na maior parte, Ancelotti aparece em primeira pessoa, havendo cortes para depoimentos de treinadores (Alex Ferguson, já aposentado, Roberto Martínez), de jogadores (Ibrahimovic, Bekcham, Maldini, Cristiano Ronaldo, este ainda na ativa), de seu assistente técnico até hoje (Paul Clement).
Estamos em 2025, porém, ao terminar a leitura, não a julguei desatualizada. De forma geral, o conteúdo mostra o “jeito tranquilo” de Ancelotti viver a profissão no dia a dia: a liderança em uma indústria multimilionária (a do futebol), ensina ele, conquistada primordialmente pelo respeito e pelo diálogo.
O mais interessante do livro são as histórias, e permito-me dividir com você alguns trechos que podem ajudar a entender melhor a pessoa Ancelotti –caso deseje lê-lo (adquiri por R$ 39,90 o e-book) e não queira spoiler, não prossiga adiante aqui.
Ancelotti, 66, menciona que um dos seus filmes favoritos, tendo visto-o mais de uma vez, é o aclamado “O Poderoso Chefão” (1972). Mesmo sendo um mafioso, Vito Corleone (interpretado por Marlon Brando) é encarado pelo treinador como um exemplo positivo.
“Vê-se [nele] um homem fraco e introvertido ou uma pessoa poderosa e tranquila no controle da situação? Um líder não deve precisar fazer grandes discursos nem se enfurecer ou comandar com punho de ferro, mas, sim, seu poder deve estar implícito.”
Vito Corleone é um líder que deve ser visto como referência porque é respeitado por todos: família, amigos, pessoas que trabalham com ele e até seus inimigos
Em relação ao trato com os atletas, Carletto conclui que a abordagem autoritária e grosseira, utilizada por vários técnicos, é ineficaz. Os jogadores precisam se dedicar e estarem comprometidos, diz, mas pela persuasão.
“Duas pessoas têm, cada uma, um cavalo e precisam fazer com que o animal pule uma cerca. A primeira posiciona-se atrás do cavalo e usa um chicote para estimulá-lo. A segunda coloca-se à frente, tendo nas mãos cenouras para atrair o cavalo. Os dois pularam a cerca, mas, se você usar o chicote, em algumas ocasiões o cavalo dará um coice em vez de pular.”
Foram raríssimas as vezes em que Ancelotti perdeu o controle. Quando ele está nervoso, conforme relatos no livro, eleva a voz e fala em italiano, e quase ninguém entende. Se está desconfiado, percebendo algo errado, ergue a sobrancelha, disse o sueco Ibrahimovic, jogador de Ancelotti por dois anos, no PSG.
O italiano é a língua nativa de Ancelotti, porém ele considera imperioso poder se comunicar adequadamente no idioma do país em que está trabalhando. “Por que alguém não iria querer aprender a língua? Essa não é uma atitude profissional.” E se dá prazo para que isso aconteça: seis meses. Assim, no fim do ano os brasileiros poderão cobrar dele um português razoável.
Por que alguém não iria querer aprender a língua [do país em que trabalha]? Essa não é uma atitude profissional
Há alguns episódios divertidos no livro, como o em que Ancelotti diz que “iria para a guerra” com os jogadores ingleses, pelo entusiasmo e dedicação deles, e outros de desavença (com estrelas como o galês Gareth Bale e os brasileiros Rivaldo e Marcelo), nos quais tratou de exercer sua calma e serenidade ao máximo.
Pena que “Liderança Tranquila” não traga os anos mais recentes da odisseia de Carletto –valeria uma reedição. Mas gostei. São 310 páginas de uma leitura agradável, dinâmica, leve. Tranquila.